... a Maldição
Corre a lenda entre as casas antigas da Bahia que cultuam Yewa, que certa vez indo para o rio lavar roupa, ao acabar, estendeu-a para secar. Nesse espaço veio a galinha e ciscou, com os pés, toda sujeira que se encontrava no local, para cima da roupa lavada, tendo Yewa que tornar a lavar tudo de novo. Enraivecida, amaldiçoou a galinha, dizendo que daquele dia em diante haveria de ficar com os pés espalmados e que nem ela nem seus filhos haveriam de comê-la, daí, durante os rituais de Yewa, galinha não passar nem pela porta. Verger encontrou esse ewo na África e uma lenda idêntica (23).
... a Gratidão
Na Nigéria, Abimbola publicou um itan Ifa (história de Ifa), falando que de carta feita estando Yewa à beira do rio, com um igba (gamela) cheio de roupa para lavar, avistou de longe um homem que vinha correndo em sua direção. Era Ifa que vinha esbaforido fugindo de iku (a morte). Pedindo seu auxílio, Yewa despejou toda roupa no chão, que se encontrava no igba, emborcou-o em cima de Ifa e sentou-se. Daí a pouco chega a morte perguntando se não viu passar por ali um homem e dava a descrição. Yewa respondeu que viu, mas que ele havia descido rio abaixo e a morte seguiu no seu encalço. Ao desaparecer, Ifa saiu debaixo do igba e Yewa, são e salvo. Este, agradecido, deu a Ewa o dom da vidência. Logo Ewa pensou algo e Orunmilá deu-lhe imediatamente a resposta, antes que ela fizesse a pergunta: "Sim, dentro em breve você terá um filho." E este foi o segundo grande presente que Orunmilá deu a Ewa. Então, levou-a para casa, a fim de tornar-se sua mulher (24)...
... a Vingança
Era mais que o medo... era o medo...
Era a noite, na noite do medo...
Era o vento, era a chuva, era o céu, era o mar...
Era a vingança de Iansã... Eparrei!
Assustava o escuro da noite e assustava a luz azulada dos raios...
O silêncio se ouvia da noite nos pés medrosos que corriam sobre as poças de água na areia batida
Até o silêncio fugia do rugido do trovão...
Era o medo, era mais do que medo de Ewa correndo com os pés descalços sobre as poças de areia batida.
O mar lambia seus pés, querendo tragá-la por sua boca faminta de coisas vivas,
A noite engolia em sua goela escura e a vomitava no clarão dos raios...
A luz azulada de raios brilhando no corpo nu e úmido de Ewa...
Era mais do que medo.. era o medo...
Era Iansã que vingava seu amor traído...
Era a senhora dos ventos que zuniam nas cabeleiras histéricas das palmeiras...
Era o céu que arregalava os olhos de fogo, procurava a fugitiva que corria sem onde se esconder...
As risadas do trovão divertiam-se com o medo de EWA... Ai EWA...
Por que cedeste este corpo moço e belo ao seu rei Sàngó?... Ai EWA...
Por que entregaste a maciez de teus seios e o mel de teu sexo ao esposo de Iansã?... Ai EWA...
Não sabias que a ira de Iansã é maior do que o desejo de Sàngó?
Ai EWA... Não sabias que a vingança de Iansã é a morte?...
Era o canto de morte que o vento cantava entre as cabeleiras histéricas das palmeiras... Corre EWA... corre EWA...
Fujas das praias que não podem te abrigar...
Fujas para as matas que talvez possam te abrigar...
Era a morte na espada de Iansã brilhando na luz dos raios
Era o raio... era a vingança... era a morte...
Mais se na mata consegue se esconder
Pede ao rei de Keto, sua proteção... da fúria de Iansã... amparar...
Pede a Dada, a Deusa do sexo, sua ajuda... Ri Ro EWA! Ai EWA
Provaste que nem mesmo a Iansã consegui a sua vingança de morte...
Ri, da risada histérica da Iansã na garganta do céu...
No rugido do trovão... do lamento da Iansã...
A vingança não consumada... Eparrei! Ri Ro EWA!!!
... o rio
Havia uma mulher que tinha dois filhos, aos quais amava mais do que tudo. Levando as crianças, ela ia todos os dias à floresta em busca de lenha, lenha que ela recolhia e vendia no mercado para sustentar os filhos. Ewá, seu nome era Ewá e esse era seu trabalho, ia ao bosque com seus filhos todo dia.
Uma vez, os três estavam no bosque entretidos quando Ewá percebeu que se perdera. Por mais que procurasse se orientar, não pôde Ewá achar o caminho de volta. Mais e mais foram os três se embrenhando na floresta. As duas crianças começaram a reclamar de fome, de sede e de cansaço. Quanto mais andavam, maior era a sede, maior a fome. As crianças já não podiam andar e clamavam à mãe por água. Ewá procurava e não achava nenhuma fonte, nenhum riacho, nenhuma poça d’água. Os filhos já morriam de sede e Ewá se desesperava.
Ewá implorou aos deuses, pediu a Olodumare. Ela deitou-se junto aos filhos moribundos e, ali onde se encontrava, Ewá transformou-se numa nascente d’água. Jorrou da fonte água cristalina e fresca e as crianças beberam dela. E a água matou a sede das crianças. E os filhos de Ewá sobreviveram. Mataram a sede com a água de Ewá.
A fonte continuou jorrando e as águas se juntaram e formaram uma lagoa. A lagoa extravasou e as águas mais adiante originaram um novo rio.
Era o rio Ewá, o Odô Ewá.
... quem entrega à Oya
Ewá, filha de Obatalá e Nanã, vivia em seu castelo como se estivesse numa clausura. O amor de Obatalá por ela era muito estranho. A fama da beleza e da castidade da princesa chegou a todas as partes, inclusive ao reino de Sango.
Mulherengo como era, Sango planejou como iria seduzir Ewá. Empregou-se como jardineiro no palácio de Obatalá. Um dia Ewá apareceu na janela e admirou-se de Sango. Nunca havia visto um homem como aquele. Não se tem notícia de como Ewá se entregou a Sango, no entanto, arrependida de seu ato, pediu ao pai que lhe enviasse a um lugar onde nenhum homem lhe enxergasse.
Obatalá deu-lhe o reino dos mortos. Desde então é Ewá quem, no cemitério, entrega a Oiá os cadáveres que Obaluaiê conduz para que Orisá-Okô os coma.
... Ewá é escondida por seu irmão Oxumarê
Filha de Nanã também é Ewá. Ewá é o horizonte, o encontro do céu com a terra. É o encontro do céu com o mar. Ewá era bela e iluminada, mas era solitária e tão calada. Nanã, preocupada com sua filha, pediu a Orunmilá que lhe arranjasse um amor, que arranjasse um casamento para Ewá. Mas ela desejava viver só, dedicada à sua tarefa de fazer criar a noite no horizonte, mandando sol com a magia que guarda na cabeça adô. Nanã porém, insistia em casar a filha.
Ewá pediu então ajuda a seu irmão Oxumarê. O Arco-Íris escondeu Ewá no lugar onde termina o arco de seu corpo. Escondeu Ewá por trás do horizonte e Nanã nunca mais pôde alcançá-la. Assim os dois irmãos passaram a viver juntos, lá onde o céu encontra a terra. Onde ela faz a noite com seu adô.
... Ewá é presa no formigueiro por Omulu
Ewá era uma caçadora de grande beleza, que cegava com veneno quem se atrevesse a olhar para ela. Ewá casou-se com Omulu, que logo demonstrou ser marido ciumento.
Um dia, envenenado pelo ciúme doentio. Omulu desconfiou da fidelidade da mulher e a prendeu num formigueiro. As formigas picaram Ewá quase até a morte e ela ficou deformada e feia. Para esconder sua deformação, sua feiúra, Omulu então a cobriu com palha-da-costa vermelha. Assim todos se lembrariam ainda como Ewá tinha sido uma caçadora de grande beleza.
... Ewá casa-se com Oxumarê
Ewá andava pelo mundo, procurando um lugar para viver. Ewá viajou até a cabeceira dos rios e aí junto às fontes e nascentes escolheu sua morada. Entre as águas Ewá foi surpreendida pelo encanto e maravilha do Arco-Íris. E dele Ewá loucamente se enamorou. Era Oxumarê que a encantava. Ewá casou-se com Oxumarê e a partir daí vive com o Arco-Íris, compartilhando com ele os segredos do universo.
... Ewá atemoriza Xangô no cemitério
Numa manhã coberta de neblina, sem suspeitar onde se encontrava, Xangô dançava com alegria ao som de um tambor. Xangô dançava alegremente em meio à névoa quando apareceu uma figura feminina enredada na brancura da manhã. Ela perguntou-lhe por que dançava e tocava naquele lugar. Xangô, sempre petulante, respondeu-lhe que fazia o que queria e onde bem lhe conviesse.
A mulher escutou e respondeu-lhe que ali ela governava e desapareceu aos olhos de Xangô. Mas ela lançou sobre Xangô os seus eflúvios e a névoa dissipou-se, deixando ver as sepulturas. Xangô era poderoso e alegre, mas temia a morte e os mortos, os eguns. Xangô sentiu-se aterrorizado e saiu dali correndo.
Mis tarde Xangô foi à casa de Orunmilá se consultar e o velho disse-lhe que aquela era Ewá, a dona do cemitério. Ele estava dançando na casa dos mortos. Xangô sentia pavor da morte e desde então nunca mais entrou num cemitério, nem ele nem seus seguidores.
... Ewá se desilude com Xangô e abandona o mundo dos vivos
Ewá filha de Obatalá, viva enclausurada em seu palácio. O amor de Obatalá por ela era possessivo. A fama de sua beleza chagava a toda parte, inclusive aos ouvidos de Xangô. Mulherengo como era, Xangô planejou seduzir Ewá. Empregou-se no palácio para cuidar dos jardins. Um dia Ewá apareceu na janela e deslumbrou-se com o jardineiro. Ewá nunca vira um homem assim tão fascinante.
Xangô deu muitos presentes a Ewá. Deu-lhe uma cabaça enfeitada com búzios, com uma obra por fora e mil mistérios por dentro, um pequeno mundo de segredos, um adô. E Ewá entregou-se a Xangô. Ele fez Ewá muito infeliz até que ela renegou sua paixão.
Decidiu se retirar do mundo dos vivos e pediu ao pai que a enviasse a um lugar distante, onde homem algum pudesse vê-la novamente. Obatalá deu então a Ewá o reino dos mortos, que os vivos temem e evitam. Desde então é ela quem domina o cemitério. Ali ela entrega a Oyá os cadáveres dos humanos, os mortos que Obaluaê conduz a orixá Oco, e que orixá Oco devora para que voltem novamente à terra, terra de Nanã de que foram um dia feitos. Ninguém incomoda Ewá no cemitério.
... Ewá é expulsa de casa e vai morar no cemitério
Ewá era filha de Obatalá e vivia com seu pai em seu palácio. Era uma jovem linda, inteligente e casta. Ewá nunca havia demonstrado interesse por homem algum. Um dia, chegou ao reino um jovem de nome Boromu. Dias depois todos já cochichavam que Ewá estava enamorada do forasteiro. Obatalá riu-se da história pois, confiava em sua filha. Obatalá garantiu que ela ainda era uma flor nova e não queria experimentar desse encanto.
Passado algum tempo, Ewá mudou.Tornou-se Ewá triste, distante, distraída. Obatalá fez tudo para fazer a filha novamente feliz. Obatalá enviou a filha à terra dos homens Ele não sabia que Ewá carregava um filho em seu ventre. Uma noite, Ewá sentiu as dores do parto e fugiu do palácio. Refugiou-se na mata, onde teve o filho. O rei foi informado do sumiço de Ewá e mobilizou todo o reino para encontrar sua filha. Boromu soube da fuga e partiu para procurá-la. Acabou por encontrar Ewá desfalecida no chão de terra, coberta apenas por uma saia bordada com búzios. Ewá despertou e contou-lhe o ocorrido. Fugira com vergonha de apresentar-se ao rei. Ewá sentiu então falta do rebento e perguntou por ele a boromu.
Boromu, querendo que Ewá retornasse ao palácio, escondera o recém-nascido na floresta. Mas quando o procurou já não mais o encontrou. Pois, perto do lugar onde deixou o filho, vivia Iemanjá. E Iemanjá escutou o pranto do bebê, recolheu-o e prometeu criá-lo como se fosse filho seu. Ewá nunca mais encontrou seu filho.
Tempos depois, Ewá foi ao palácio pedir perdão ao pai, mas o rei ainda estava irado e a expulsou de casa. Naquele dia Ewá partiu envergonhada. Cobriu o seu rosto com a mesma saia bordada de búzios e foi viver no cemitério, longe de todos os seres vivos. Nunca mais viu seu filho. Ele foi criado por Iemanjá, que deu a ele o nome de Xangô. Ninguém sabe quem é a mulher do cemitério. De onde vem e por que ali está. Tudo o que ocorreu é o seu segredo.