Antes da imposição do calendário europeu, os iorubás, que são a fonte principal da matriz cultural do candomblé brasileiro, organizavam o presente numa semana de quatro dias. O ano era demarcado pela repetição das estações e eles não conheciam sua divisão em meses. A duração de cada período de tempo era marcada por eventos experimentados e reconhecidos por toda a comunidade. Assim, um dia começava com o nascer do sol, não importando se às cinco ou às sete horas, em nossa contagem ocidental, e terminava quando as pessoas se recolhiam para dormir (Mbiti, 1990, p. 19), o que podia ser às oito da noite ou à meia-noite em nosso horário. Essas variações, importantes para nós, com nosso relógio que controla o dia, não o eram para eles.
Cada um dos quatro dias da semana iorubá tradicional, chamada ossé, é dedicado a uma divindade (Ojô Awô, Ojô Ogum, Ojô Xangô, Ojô Obatalá, respectivamente, dia do segredo ou de Ifá, dia de Ogum etc.), regulando uma atividade essencial para a vida de todos os iorubás tradicionais: o mercado. O mercado ou feira funciona em cada aldeia e cidade num dos dias da semana, todas as semanas ou a cada duas, três ou quatro semanas. Até hoje, as mulheres vão vender seus produtos nos mercados de diferentes cidades, fazendo dessa atividade uma instituição fundamental para a sociabilidade iorubá e a regulação do cotidiano. Os iorubás tradicionais reconheciam a existência do mês lunar, mas lhe davam pouca importância, sendo muito mais importantes as épocas de realização das grandes festas religiosas, marcadas pelas estações e fases agrícolas do ano, que eles chamavam de odum. O dia era dividido não em horas, mas em períodos, que poderíamos traduzir por expressões como “de manhã cedo”, “antes do sol a pino”, “com o sol na vertical”, “de tardinha” etc. A noite era marcada pelo cantar do galo.
A contagem dos dias e das semanas era praticada em função de cada evento, de modo que a mulher era capaz de controlar a duração de sua gestação, assim como o homem contava o desenrolar dos seus cultivos, mas sem datação (Ellis, 1974, pp. 142-151). Os iorubás tradicionais consideravam duas grandes estações, uma chuvosa e outra seca, separadas por uma estação de fortes ventos, de modo que cada ano podia durar alguns dias a mais ou a menos, dependendo do atraso ou adiantamento das estações, mas isso não importava, uma vez que os dias não eram contados. Os anos passavam como passavam as semanas e os dias, num fruir repetitivo, não se computando aritmeticamente cada repetição.
Nas cortes dos reis iorubás havia funcionários encarregados de manter viva a memória dos reis, e eles eram treinados para recitar os eventos importantes que marcaram o reinado de cada soberano, mas os episódios não eram datados, fazendo com que a reconstrução recente da história dos povos iorubás não comportasse uma cronologia para os tempos anteriores à chegada dos europeus, vendo-se obrigada a operar com mitos e memórias lançados num passado sem datas (Johnson, 1921).
Como o tempo é cíclico, fatos inesperados são recebidos com espanto. Assim, as ocorrências cíclicas da natureza – por exemplo, as fases da lua e as estações climáticas – são encaradas como acontecimentos normais da vida, mas o que escapa do ritmo normal do tempo é visto com preocupação e medo, como um eclipse, uma enchente etc. O nascimento de gêmeos, que contraria o desenlace normal da gestação, constitui também um fato excepcional.
Os afro-descendentes assimilaram o calendário e a contagem de tempo usados na sociedade brasileira, mas muitas reminiscências da concepção africana podem ser encontradas no cotidiano dos candomblés. A chegada de um novo odum, ano novo, é festejada com ritos oraculares para se saber qual orixá o preside, pois cada ano vê repetir-se a saga do orixá que o comanda: será um ano de guerra, se o orixá for um guerreiro, como Ogum, de fartura, se o orixá for um provedor, como Oxóssi, será de reconciliações, se for de um orixá da temperança, como Iemanjá, e assim por diante. O ossé, a semana, constituiu-se num rito semanal de limpeza e troca das águas dos altares dos orixás. Cada dia da semana, agora a semana de sete dias, é dedicado a um ou mais orixás, sendo cada dia propício a eventos narrados pelos mitos daqueles orixás, por exemplo, a quarta-feira é dia de justiça porque é dia de Xangô. As grandes festas dos deuses africanos adaptaram-se ao calendário festivo do catolicismo por força do sincretismo que, até bem pouco tempo, era praticamente compulsório, mas o que a festa do terreiro enfatiza é o mito africano, do orixá, e não o do santo católico.
Embora o candomblé e outras religiões de origem africana sejam de formação recente, aqui constituídas somente depois das primeiras décadas do século XIX, as datas de fundação dos terreiros, assim como as que marcam os reinados de sucessivas mães e pais-de-santo no início, são desconhecidas. Seus nomes são bem lembrados e seus feitos são cantados e festejados nas cerimônias que louvam os antigos fundadores – o padê nos candomblés mais velhos -, mas nada de datas. Esse passado brasileiro também já se fez mito.
Cada um dos quatro dias da semana iorubá tradicional, chamada ossé, é dedicado a uma divindade (Ojô Awô, Ojô Ogum, Ojô Xangô, Ojô Obatalá, respectivamente, dia do segredo ou de Ifá, dia de Ogum etc.), regulando uma atividade essencial para a vida de todos os iorubás tradicionais: o mercado. O mercado ou feira funciona em cada aldeia e cidade num dos dias da semana, todas as semanas ou a cada duas, três ou quatro semanas. Até hoje, as mulheres vão vender seus produtos nos mercados de diferentes cidades, fazendo dessa atividade uma instituição fundamental para a sociabilidade iorubá e a regulação do cotidiano. Os iorubás tradicionais reconheciam a existência do mês lunar, mas lhe davam pouca importância, sendo muito mais importantes as épocas de realização das grandes festas religiosas, marcadas pelas estações e fases agrícolas do ano, que eles chamavam de odum. O dia era dividido não em horas, mas em períodos, que poderíamos traduzir por expressões como “de manhã cedo”, “antes do sol a pino”, “com o sol na vertical”, “de tardinha” etc. A noite era marcada pelo cantar do galo.
A contagem dos dias e das semanas era praticada em função de cada evento, de modo que a mulher era capaz de controlar a duração de sua gestação, assim como o homem contava o desenrolar dos seus cultivos, mas sem datação (Ellis, 1974, pp. 142-151). Os iorubás tradicionais consideravam duas grandes estações, uma chuvosa e outra seca, separadas por uma estação de fortes ventos, de modo que cada ano podia durar alguns dias a mais ou a menos, dependendo do atraso ou adiantamento das estações, mas isso não importava, uma vez que os dias não eram contados. Os anos passavam como passavam as semanas e os dias, num fruir repetitivo, não se computando aritmeticamente cada repetição.
Nas cortes dos reis iorubás havia funcionários encarregados de manter viva a memória dos reis, e eles eram treinados para recitar os eventos importantes que marcaram o reinado de cada soberano, mas os episódios não eram datados, fazendo com que a reconstrução recente da história dos povos iorubás não comportasse uma cronologia para os tempos anteriores à chegada dos europeus, vendo-se obrigada a operar com mitos e memórias lançados num passado sem datas (Johnson, 1921).
Como o tempo é cíclico, fatos inesperados são recebidos com espanto. Assim, as ocorrências cíclicas da natureza – por exemplo, as fases da lua e as estações climáticas – são encaradas como acontecimentos normais da vida, mas o que escapa do ritmo normal do tempo é visto com preocupação e medo, como um eclipse, uma enchente etc. O nascimento de gêmeos, que contraria o desenlace normal da gestação, constitui também um fato excepcional.
Os afro-descendentes assimilaram o calendário e a contagem de tempo usados na sociedade brasileira, mas muitas reminiscências da concepção africana podem ser encontradas no cotidiano dos candomblés. A chegada de um novo odum, ano novo, é festejada com ritos oraculares para se saber qual orixá o preside, pois cada ano vê repetir-se a saga do orixá que o comanda: será um ano de guerra, se o orixá for um guerreiro, como Ogum, de fartura, se o orixá for um provedor, como Oxóssi, será de reconciliações, se for de um orixá da temperança, como Iemanjá, e assim por diante. O ossé, a semana, constituiu-se num rito semanal de limpeza e troca das águas dos altares dos orixás. Cada dia da semana, agora a semana de sete dias, é dedicado a um ou mais orixás, sendo cada dia propício a eventos narrados pelos mitos daqueles orixás, por exemplo, a quarta-feira é dia de justiça porque é dia de Xangô. As grandes festas dos deuses africanos adaptaram-se ao calendário festivo do catolicismo por força do sincretismo que, até bem pouco tempo, era praticamente compulsório, mas o que a festa do terreiro enfatiza é o mito africano, do orixá, e não o do santo católico.
Embora o candomblé e outras religiões de origem africana sejam de formação recente, aqui constituídas somente depois das primeiras décadas do século XIX, as datas de fundação dos terreiros, assim como as que marcam os reinados de sucessivas mães e pais-de-santo no início, são desconhecidas. Seus nomes são bem lembrados e seus feitos são cantados e festejados nas cerimônias que louvam os antigos fundadores – o padê nos candomblés mais velhos -, mas nada de datas. Esse passado brasileiro também já se fez mito.