domingo, 30 de maio de 2010

Odum Adotá: Família Tradicional


É muito interessante quando vemos alguém falando de famílias tradicionais, se referindo as famílias brancas ricas e poderosas, que fazem história às vezes da forma mais absurda e com isso conquistam fama, respeito, medo, dinheiro e poder. As famílias tradicionais acabam sendo um fenômeno de arquetípico branco, pessoas importantes e influentes em um estado de coisas, onde o negro, o indígena e o mestiço não existem, aliás, mestiço é o negro que embranqueceu, nunca é o branco que enegreceu, mas na hora da disputa de espaços de poder, mestiço é negro, querendo se meter onde não deve e a tradição não se faz neste clima, mestiço não é tradicional, é popular. Uma sub raça, simpática, mas não aceita!

Ontem e anteontem tive uma experiência extraordinária de família negra tradicional, com o advento do Odum Adotá, quatro tradicionais senhoras das famílias de Santo fazendo 50 anos de vida religiosa no Candomblé, no Axé! Me impressionei bastante com a elegância extraordinária daquelas mulheres negras, dos seus irmãos de santo do Oxumaré e demais terreiros da Bahia e do Brasil; a tradição de mais de 5000 anos do Orixá, há mais de 500 anos no Brasil, reproduzida em um evento de pura elegância e saberes. Um ritual civilizatório inédito, histórico, religioso, educativo, social, científico e ambiental, uma cena de fazer o Estado brasileiro tremer pela sua grandiosidade, profundidade e simplicidade, uma via da memória de um povo ressignificado por ele mesmo na plenitude da sua dignidade, cidadania tradicional e universal, que percorreu o mundo e veio parar na Bahia, como um continuo reencontro de saberes, fazeres e inovações inspiradas na transpiração da emoção, que vem do túnel do tempo.

O Ritual cidadão na Câmara foi a construção de um novo contexto da percepção de brancos com algum poder, dizer e se afirmar negro, diante de velhos militantes da religiosidade de matriz africana vestido a rigor como a tradição, que se transporta a cada momento, como empreendedores inventaram seus espaços no Brasil, ao longo do tempo, em um contexto de dor e opressão, o lúdico e o mágico do povo negro foi e até hoje é um espaço de resistência e agora mais forte e organizado de reação, que deve se multiplicar e se impor a cada dia, como um status do povo brasileiro em sua diversidade, identidade e cidadania.

A Sessão Solene na Câmara de Vereadores foi elegantemente antecedida por um documentário produzido por griots ativos do Oxumarê, jovens herdeiros de saberes extraordinários, que também conquistaram o espaço da Academia formal e em mais um ato de sabedoria, de encontro de conhecimento, produziram o documentário que foi veiculado antes do início do evento da Câmara, criando um clima preciso de transmutação em toda platéia, o contexto exato pra textos extraordinários proferidos pelos palestrantes, autoridades religiosas e civis que davam o tom de direito e civilidade ao evento.

Do Ritual Civilizatório e Cidadão da Câmara passamos para o dia seguinte, lembrando ainda do encerramento do evento na Câmara, com a Orquestra Afro Sinfônica, produzindo um Som Afro Harmônico impecável. A Mesa Redonda, o Busto e o Jantar, a magia e o transe de um povo como marca de sabedoria e cidadania, efeito imediato daqueles que vivenciaram os momentos histórico do Odum Adotá no Terreiro Oxumaré, na relação com todos os Terreiros da Bahia e do Brasil, na Relação direta com a nobreza africana, afinal estamos falando do Dia da África, que ganhou muito mais simbologia e solidez com o Odum Adotá.

A Família Negra Tradicional brasileira, estava de mãos dadas entre si e entre outras raças e religiões que se faziam presente, mostrando que de fato, os candomblecistas não são intolerantes em suas grandes atitudes e momentos, seria interessante que ali tivesse representantes de diversos órgãos do Estado Brasileiro, no sentido de entender, compreender e exercer um processo de cidadania evoluído, civilizatório e cidadão, para que em cada decisão tomada a partir daqui, pudesse entender a grandiosidade da contribuição do povo negro, para aquilo que chamamos de Brasil e tanto vendemos lá fora, quando estamos pensando em trazer divisas, mas no entanto ainda não investimos como deveríamos, no processo de igualdade racial, como uma fator estratégico do pleno desenvolvimento brasileiro.

As Famílias Negras Tradicionais brasileiras se entrelaçaram no Odum Adotá, estabelecendo uma reflexão e uma ação sobre família tradicional no Brasil, para que muitos brasileiros até de Terreiro, possam perceber a grandiosidade do fato de Mães e pais de Santo, que reuniram de novo seu povo, em uma grande gênese religiosa e civilizatória, que tem como principal problema as muitas formas de racismo, de discriminação e perseguição, como estratégia de marginalizar e desqualificar continuamente a tradição negra no Brasil e é claro que precisamos ficar muito atentos, as nossas falas, a nossos olhares, as nossas permissões de deixar que aconteçam expressões e ações maliciosas, maldosas e costumeiras contra nossa identidade e tradição.
Quem ainda não havia colocada em sua conta de família tradicional a Família tradicional negra, em suas rodas de conversa social, quando se fala em valores importantes, em elegância, em conteúdo e em civilidade.

Será preciso guardar todo evento em um documentário, disponibilizado para escolas, intelectuais, gestores públicos, autoridades das mais diversas representações, para que melhor possam entender esta plenitude do povo brasileiro, que não pode e não deve mais ser escondido pelo racismo que se comete todos os dias, contra um povo que resiste e reage a cada dia de forma mais concisa, estruturada, estratégica e organizada, afinal quem passou pelos séculos perseguido da forma mais horrorosa e desumana e ainda tem ludicidade, alegria e força para emprestar tanta arte e cultura para identidade deste país, tem que ser mesmo respeitado e homenageado, por políticas públicas civilizatórias e cidadãs, que coloquem o Brasil realmente como uma grande Nação do Mundo, sem os conflitos das desigualdades que estamos acostumados a ver, apesar dos tantos avanços que o país tem alcançado, precisamos vencer o racismo institucional, como forma de avançar e evoluir, como é próprio do século 21, a era do futuro, que se despede das atrocidades do passado, com avanços tecnológicos, que estarão a cada dia mais incluído a sutileza da consciência plena e cósmica de cada individuo, o cosmo que energiza a terra, nos pede uma transmutação da fase da espinhação para a fase da consciência e evolução, mais dinâmica e séria, com o simbólico africano e indígena sendo considerado em toda sua plenitude, pelo histórico e memória destes povos que se relacionam a muito tempo com o universo em toda sua sutileza e grandiosidade, com suas mitologias, que se transformarem em cultura, saberes e fazeres, tecnologias, ciências, políticas, resistências e reações mágicas e tradicionais, que as famílias tradicionais negras, indígenas e mestiças também sejam consideradas em todo o seu valor, para este novo mundo diverso que se monta, tendo o Brasil como uma experiência fantástica, a medida que olhamos a forma com que estes povos discriminados se mantiveram de pé, apesar de toda barbárie que sofreram.

É preciso produzir um grande documentário do evento Odum Adotá, que ele se torne tema de muitas mesas redondas, estudos e medidas civilizatórias urgentes do Estado Brasileiro. que brancos e negros dos espaços de poder, possam ganhar esta consciência e atitude da forma mais rápida, ganhando tempo, diante do tempo que já perdemos.

Viva as famílias Tradicionais Negras do Brasil(Odum Adotá)!

O Carma da dor transcendendo para o carma do amor de forma concreta, a força da ética negra, em mais esta construção. Que os irmãos do Oxumarê e de tantos outros templos de candomblé da Bahia e do Brasil, se unifiquem neste momento, pelo imã da cidadania, da paz, da esperança e da elegância que nos faz vida e cultura.
Muito axé!

Edson Costa
CEN Bahia - Ogan do Oxumarê