domingo, 27 de junho de 2010

Experiências de jovens no subúrbio

REDES DE JUVENTUDE RELATAM EM VÍDEO SUAS LUTAS CONTRA VIOLÊNCIA E RACISMO

A CESE e as redes juvenis do subúrbio, através do Projeto Juventude Cidadã, lançam vídeo contando um pouco de suas organizações e lutas anti-racistas e socioambientais em defesa da população negra e do patrimônio histórico e natural do Subúrbio Ferroviário, em Salvador. O lançamento acontece dia 30 de junho (quarta-feira), às 16h, no Cine Teatro Plataforma, símbolo de espaço democrático construído pelos movimentos sociais da região.

Durante a atividade as redes que integram o Juventude Cidadã de Salvador farão suas respectivas apresentações através de breves depoimentos ou perfómances, como expressão do compromisso sócioambiental de um trabalho articulado em rede na defesa do Subúrbio. É nesta oportunidade também que eles vão sugerir e votar o título do vídeo que está em aberto para que seja escolhido por eles.

“Este vídeo tem muitos significados. Além de retratar a dura realidade suburbana interpretada por seus jovens e contribuindo para o seu protagonismo, é uma peça importante de divulgação para que busquem novas parcerias”, declara o assessor de projetos da CESE, José Carlos Zanetti.

Subúrbio Ferroviário

Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que a juventude brasileira é a maior vítima da violência. A Bahia e sua capital negra, Salvador, não escapam desta lógica perversa, agravada pelo racismo e a intolerância religiosa. Apesar de ser uma capital bela e culturalmente rica, a situação é particularmente grave em seus bairros populares, a exemplo do Subúrbio Ferroviário.

Localizado na região noroeste de Salvador, esse Subúrbio tem uma população estimada em 500 mil habitantes, onde predomina baixa renda, grande número de desempregados ou de subempregados sobrevivendo em condições de moradia e infraestrutura precárias. Para José Carlos Zanetti a situação da capital baiana é de alerta. Ele pede atenção para ações capazes de intervir em políticas públicas e, nesse sentido, respalda o projeto Juventude Cidadã pela capacidade de estimular a participação dos jovens.

“Os grupos culturais que trabalham com arte-educação e com o diálogo interreligioso oferecem alternativas e esperanças para uma nova existência comprometida com novos formatos de relação gênero e raça, geração de renda e políticas públicas motivadoras de uma cultura de paz”, declara Zanetti.

Juventude Cidadã

Foi assim que, em 2005, parceria com a agência holandesa Kerkininactie/ICCO, nasceu o Juventude Cidadã. O projeto visa fortalecer as redes em suas atividades e contribuir para que desenvolvam institucionalmente capacidades de gestão e incidência política.

Atualmente, fazem parte do projeto 4 redes sociais, composto por algumas dezenas de grupos e movimentos sócioculturais que vivem no Subúrbio Ferroviário, dentre eles: o Movimento de Cultura Popular do Subúrbio (MCPS); o Colegiado de Cultura da CAMMPI (moradores de Itapagipe); o Fórum de Entidades do Subúrbio (FES) e a Rede de Protagonistas em Ação de Itapagipe (REPROTAI).


O quê: Lançamento de Vídeo
Data: 30 de junho de 2010
Horário
: 16h
Onde: Cine Teatro Plataforma (Praça São Braz).

Fonte: www.cese.org.br

sábado, 26 de junho de 2010

Este mundo é da injustiça globalizada

Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência

José Saramago

Texto lido no encerramento do Fórum Social Mundial de 2002.

Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um facto notável da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos arredores de Florença há mais de quatrocentos anos. Permito-me pedir toda a vossa atenção para este importante acontecimento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não tarda.

Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no século XVI) os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza, porém aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se encontrasse em vias de passamento. Saíram portanto as mulheres à rua, juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar.

Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. "O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino", foi a resposta do camponês. "Mas então não morreu ninguém?", tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: "Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta."

Que acontecera? Acontecera que o ganancioso senhor do lugar (algum conde ou marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de sítio os marcos das estremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada. O lesado tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à protecção da justiça. Tudo sem resultado, a expoliação continuou. Então,
desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi (uma aldeia tem o exacto tamanho do mundo para quem sempre nela viveu) a morte da Justiça.

Talvez pensasse que o seu gesto de exaltada indignação lograria comover e pôr a tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e costumes, que todos eles, sem excepção, o acompanhariam no dobre a finados pela morte da Justiça, e não se calariam até que ela fosse ressuscitada. Um clamor tal, voando de casa em casa, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, saltando por cima das fronteiras, lançando pontes sonoras sobre os rios e os mares, por força haveria de acordar o mundo adormecido... Não sei o que sucedeu depois, não sei se o braço popular foi ajudar o camponês a repor as estremas nos seus sítios, ou se os vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta, regressaram resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os dias. É bem certo que a História nunca nos conta tudo...

Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exacto e rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em acção, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste.

Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger aqueles que morriam. Tocavam também para assinalar as horas do dia e da noite, para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e houve um tempo, não tão distante assim, em que o seu toque a rebate era o que convocava o povo para acudir às catástrofes, às cheias e aos incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que ameaçasse a comunidade. Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao cumprimento das obrigações rituais e o gesto iluminado do camponês de Florença seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso de polícia.

Outros e diferentes são os sinos que hoje defendem e afirmam a possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça companheira dos homens, daquela justiça que é condição da felicidade do espírito e até, por mais surpreendente que possa parecer-nos, condição do próprio alimento do corpo. Houvesse essa justiça, e nem um só ser humano mais morreria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros. Houvesse essa justiça, e a existência não seria, para mais de metade da humanidade, a condenação terrível que objectivamente tem sido. Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando, cada vez mais forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de resistência e acção social que pugnam pelo estabelecimento de uma nova justiça distributiva e comutativa que todos os seres humanos possam chegar a reconhecer como intrinsecamente sua, uma justiça protectora da liberdade e do direito, não de nenhuma das suas negações.

Tenho dito que para essa justiça dispomos já de um código de aplicação prática ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra consignado desde há cinquenta anos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aquelas trinta direitos básicos e essenciais de que hoje só vagamente se fala, quando não sistematicamente se silencia, mais desprezados e conspurcados nestes dias do que o foram, há quatrocentos anos, a propriedade e a liberdade do camponês de Florença. E também tenho dito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal qual se encontra redigida, e sem necessidade de lhe alterar sequer uma vírgula, poderia substituir com vantagem, no que respeita a rectidão de princípios e clareza de objectivos, os programas de todos os partidos políticos do orbe, nomeadamente os da denominada esquerda, anquilosados em fórmulas caducas, alheios ou impotentes para enfrentar as realidades brutais do mundo actual, fechando os olhos às já evidentes e temíveis ameaças que o futuro está a preparar contra aquela dignidade racional e sensível que imaginávamos ser a suprema aspiração dos seres humanos.

Acrescentarei que as mesmas razões que me levam a referir-me nestes termos aos partidos políticos em geral, as aplico por igual aos sindicatos locais, e, em consequência, ao movimento sindical internacional no seu conjunto. De um modo consciente ou inconsciente, o dócil e burocratizado sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, responsável pelo adormecimento social decorrente do processo de globalização económica em curso. Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calá-lo. E, ainda, se me autorizam a acrescentar algo da minha lavra particular às fábulas de La Fontaine, então direi que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o rato dos direitos humanos acabará por ser implacavelmente devorado pelo gato da globalização económica.

E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e segundo a expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o povo? Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé comprovada, e a outras que essa aparência de benignidade têm interesse em simular, que, sendo embora uma evidência indesmentível o estado de catástrofe em que se encontra a maior parte do planeta, será precisamente no quadro de um sistema democrático geral que mais probabilidades teremos de chegar à consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos. Nada mais certo, sob condição de que fosse efectivamente democrático o sistema de governo e de gestão da sociedade a que actualmente vimos chamando democracia. E não o é. É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo.

Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica.

E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros "comissários políticos" do poder económico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois, envolvidas no açúcares da publicidade oficial e particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos, salvo os certas conhecidas minorias eternamente descontentes...

Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo.

Não tenho mais que dizer. Ou sim, apenas uma palavra para pedir um instante de silêncio. O camponês de Florença acaba de subir uma vez mais à torre da igreja, o sino vai tocar. Ouçamo-lo, por favor.

domingo, 20 de junho de 2010

Fio de Contas (Parte II)


Na mitologia sobre a invenção do candomblé, os colares de contas aparecem como objectos de identificação dos fiéis aos deuses e o seu recebimento, como momento importante nessa vinculação. De acordo com o mito, a montagem, a lavagem e a entrega dos fios-de-contas constituem momentos fundamentais no ritual de iniciação dos filhos-de-santo, os quais, daí em diante, além de unidos, estão protegidos pelos orixás.

Feitos com contas de diferentes materiais e cores, esses fios apresentam uma grande diversidade e podem ser agrupados por tipologias de acordo com os usos e significados que têm no culto. Assim, acompanham e marcam a vida espiritual do fiel, desde os primeiros instantes da sua iniciação até às suas cerimónias fúnebres.

Como nos momentos da montagem e do recebimento, também o instante da ruptura é significativo; entretanto, o rompimento do fio-de-contas, mais do que indicar um mau presságio, que assusta e preocupa o indivíduo e a comunidade, pode ser o início de um novo ciclo, um recomeço, um momento de viragem que pede um novo fio. Dos primeiros fios – simples, ascéticos e rigorosos – às contas mais livres, exuberantes, complexas e personalizadas que a pessoa vai produzindo ou ganhando ao longo do tempo, delineia-se o caminho de cada um na sua vinculação aos orixás e à comunidade do terreiro.

Desta maneira, mais do que a libertação do gosto particular, as transformações nos colares revelam o conhecimento adquirido pela pessoa e sua ascensão na hierarquia religiosa. De tal modo que um leigo pode passar despercebido por um fio-de-contas ou vê-lo apenas como um adorno, enquanto um iniciado na cultura do candomblé o tomará como um objecto pleno de significados, que pode ser “lido” e no qual é possível identificar a raiz, o orixá da cabeça e o tempo de iniciação, entre outros dados da vida espiritual de quem o usa.

Dos ritos secretos e espaços fechados do culto aos orixás, os fios-de-contas ganharam o mundo e adquiriram novos usos. De África vieram para o Brasil e para todo o mundo onde o candomblé se tem difundido. Hoje, devido ao sincretismo religioso, além dos espaços de culto, é possível observar a presença de fios-de-contas em lugares inusitados como automóveis e lojas, mas já destituídos das funções e sentidos primordiais, usados apenas para proteger os espaços e as pessoas contra maus agouros.

Pode ser chamado fio-de-contas desde aquele de um fio único de missangas até a um colar com vários fios presos por uma ou várias firmas. A quantidade de fios pode variar de uma nação para outra na correspondência de cargos.

Na hierarquia do candomblé toda a pessoa que entra para a religião será um Abiã e assim permanecerá até que se inicie. Ao Abiã só é permitido o uso de dois fios-de-contas simples de um fio só, um na cor branco leitoso que corresponde a Oxalá, de acordo com a nação e um na cor do Orixá da pessoa, quando já tenha sido identificado, dessa forma pode-se saber que a pessoa é um Abiã e qual é o seu Orixá.

Um Egbomi usa diversos colares de um fio só, com contas na cor dos Orixás que já tem assentados e estas já podem ser intercaladas com corais ou firmas Africanas.

Tipos de fios-de-contas:

Yian/Inhãs: Fios de uma só “perna”, isto é, o colar simples de uma só fiada de missangas cuja medida deve ir até a altura do umbigo.
Delogum: Colares feitos de 16 fiadas de missangas com um único fecho cuja medida, como os Inhãs, vai até à altura do umbigo. Cada Iaô deve possuir, normalmente, um Delogum do seu orixá principal e outro do orixá que o acompanha em segundo plano.
Brajá: longos fios montados de dois em dois, em pares opostos. Podem ser usados a tiracolo e cruzando o peito e as costas. É a simbologia da inter-relação do direito com esquerdo, masculino e feminino, passado e presente. Quem usa esse tipo de colar é um descendente dessa “união”.
Humgebê/Rungeve: Feito de missangas marrons, corais e seguis (um tipo de conta).
Lagdibá/Dilogum: Feito de fios múltiplos, em conjuntos de 7, 14 ou 21. São unidos por uma firma (conta cilíndrica).
As Cores dos fios-de-contas de cada Orixá:

Exú – Contas Pretas intercaladas com Contas Vermelhas
Ogum – Contas Azul Forte (podem ter apontamentos Vermelhos ou Verdes)
Oxóssi – Contas Azul-turquesa
Omulú – Contas Brancas Raiadas de Preto ou Contas Marrom
Oxumaré – Contas Amarelas Raiadas de Preto ou Verdes Raiadas de Amarelo
Ossaim – Contas Verdes
Iroko – Contas Verdes intercaladas com Contas Brancas
Logun Edé – Contas Azul-turquesa intercaladas com Contas Amarelas ou Brancas
Oxum – Contas Douradas ou Contas de Âmbar
Iemanjá – Contas Brancas intercaladas com Contas Azul Claro e/ou Contas de Cristal
Iansã – Contas Marrom ou Contas de Coral (Vermelho, Salmão)
Ibeji – Contas de Todas as Cores
Obá – Contas Vermelhas intercaladas com Contas Amarelas
Ewá – Contas Vermelho Escuro
Nanã – Contas Brancas Riscadas de Azul
Xangô – Contas Vermelhas intercaladas com Contas Brancas
Oxalá – Contas Branco
Leitoso e/ou Contas de Cristal


sábado, 19 de junho de 2010

A Religiosidade Afro Brasileira e o Meio Ambiente

O TEXTO A SER EXIBIDO APRESENTA A RELAÇÃO DA EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL POR MEIO DA RELIGIOSIDADE AFRO-BRASILEIRA. O CANDOMBLÉ OFERECE SUBSÍDIOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA A PARTIR DA LÓGICA DOS ORIXÁS, INTRINSECAMENTE LIGADOS AO MEIO AMBIENTE.



Clique aqui para ler.


"SEM FOLHA NÃO TEM SONHO
SEM FOLHA NÃO TEM FESTA
SEM FOLHA NÃO TEM VIDA
SEM FOLHA NÃO TEM NADA"
SALVE AS FOLHAS – GERÔNIMO E ILDÁSIO TAVARES

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A natureza do candomblé

A relação dos orixás com a natureza revela um culto milenar, alinhado a uma das maiores preocupações do nosso tempo: a preservação do meio ambiente.

“Omi kosi, éwè kosi, òrìsà kosi” é um ditado yorubá que significa: “sem água, sem folha, não há orixá”. O culto aos orixás realizado pelos yorubás, povo oriundo de regiões do Benin e da Nigéria, países da costa oeste africana, deu origem, aqui no Brasil, ao candomblé. De acordo com a religião, a natureza é um espaço sagrado, de comunhão entre o mundo espiritual e o material, que deve ser respeitado e bem cuidado. Esta concepção alinha o culto milenar a uma das maiores preocupações da atualidade: a preservação da biodiversidade.

Divindades e meio-ambiente estão tão unidos, na visão do candomblé, que não é possível haver culto sem a presença de elementos naturais, especialmente, folhas. “A primeira coisa que fiz quando cheguei aqui foi andar pela vizinhança procurando plantas e ervas para usar nos rituais ou como remédio, e trazer para o meu quintal”, conta Mãe Beata de Yemonjá, yalorixá (mãe-de-santo) do terreiro Ylê Omio Juàro (Casa das Águas dos Olhos de Oxóssi), situado em Nova Iguaçu, no estado do Rio de Janeiro. Aos 77 anos, ela é conselheira do Movimento Inter-Religioso e Presidente de Honra da ONG Criola, uma organização de mulheres negras.

Mãe Beata também é co-autora da cartilha Oku Abo Espaço Sagrado – Educação Ambiental para religiões afro-brasileiras, idealizada por seu filho consangüíneo Aderbal Ashogun. A cartilha busca conscientizar candomblecistas e umbandistas – o chamado “povo de santo” – a adotarem práticas ecológicas em suas oferendas. Usar folhas de mamona ou de bananeira no lugar de pratos de louça, substituir copos e garrafas de plástico ou de vidro por cuias de coco ou bambu, alertar para o perigo de incêndio causado por velas acesas sob as árvores e explicar sobre as áreas de proteção ambiental em que se pode ou não realizar rituais religiosos são alguns exemplos do que a cartilha ensina.

Forças da natureza
Os deuses do candomblé ketu, nação mais conhecida no Brasil, são os orixás, que podem ser definidos como as forças da natureza. Eles se fazem perceber em seus espaços e elementos sagrados, como rios, mares, matas, trovão e vento, pela manifestação no omorixá (filho-de-santo), conhecida como incorporação, e pela comunicação por meio do jogo de búzios. Nas festas e celebrações dos terreiros, cada orixá se manifesta em seu devoto e se faz reconhecer pela dança, vestimentas e alimentos preferidos.

Tradicionalmente, existem três nações ou tipos de candomblé: ketu (de origem yorubá, a qual pertence grande parte dos terreiros brasileiros), Banto ou Angola (trazido pelos povos do Congo e de Angola; nesta vertente, os deuses são chamados de nkisi) e jeje ou mina-jeje (oriundo das etnias ewe, fon, mina, fanti e ashanti, do atual Benin; estes cultuam os voduns). O respeito ao meio-ambiente, no entanto, é comum às três vertentes. “A nossa religião é ecológica, nossos deuses gostam da água limpa, das folhas sadias, não gostam de poluição”, afirma Mãe Beata.

Legalização de Terreiros


A Assessoria Jurídica da Secretaria Municipal da Reparação (Semur) está prestando orientação Jurídica aos Templos de Religião de matriz africana.
Devidamente legalizados, os Terreiros de Candomblé recebem imunidade do IPTU, podem ainda conseguir convênios e parcerias com órgãos públicos para desenvolver projetos, por exemplo, na área de educação e cultura.
Fonte: SEMUR

Mapeamento traça perfil de espaços religiosos de matriz africana

Ketu, Nagô, Ijexá, Umbanda, Angola, Jêje são algumas das nações a que pertencem terreiros de candomblé, cujos perfis estão sendo delineados pelo projeto Mapeamento dos Espaços de Religião de Matriz Africana, coordenado pela Secretaria de Promoção da Igualdade (Sepromi), do Estado da Bahia. Desde o início da pesquisa em fevereiro, 395 terreiros foram cadastrados no Recôncavo (58) e no Baixo Sul (337). O objetivo do projeto é apurar quantos são e investigar as características e condições de funcionamento de cada um deles, visando à elaboração de uma política estadual para o segmento.
"Mas, para que o diagnóstico seja fiel à realidade, é preciso que todas as lideranças religiosas participem do estudo". Afirma a coordenadora de Promoção e Defesa dos Direitos da Sepromi, Karine Limeira. Segundo ela, além da nação, o relatório final conterá dados sobre a origem e história dos terreiros, tempo de fundação, trajetórias de luta e resistência, condições físicas e de infraestrutura, recursos ambientais, assim como o perfil das autoridades religiosas com relação ao sexo, raça e formação.

Por esse motivo, lembra a coordenadora, os terreiros que ainda não foram visitados devem entrar em contato com a coordenação do projeto pelos dos telefones (71) 3117-1557 ou 3117-1558. Desde fevereiro, 20 entrevistadores, estudantes universitários, estão em campo, coletando os dados que vão resultar em um relatório a ser disponibilizado em uma publicação e no site http://www.sepromi.ba.gov.br/ . "Quanto mais casas forem contempladas, mais próximo da realidade será o diagnóstico feito a partir das informações coletadas", completou Limeira.

Além da Sepromi, o projeto conta com a parceria da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir/PR), das prefeituras e de organizações da sociedade civil dos municípios envolvidos. Com previsão para ser concluído em 15 meses, o mapeamento foi iniciado em dezembro de 2009, com a divulgação do edital para a seleção de estudantes para realizarem a pesquisa de campo.

Municípios envolvidos

A pesquisa de campo está em andamento no Recôncavo, com entrevistas feitas nos municípios de Varzedo, Santo Antônio de Jesus, Muniz Ferreira, Nazaré, Dom Macedo Costa, Conceição do Almeida, Castro Alves, Sapeaçu, Muritiba, Cruz das Almas, São Felipe, Maragojipe, Saubara, São Félix, Cachoeira, São Francisco do Conde, Santo Amaro, Governador Mangabeira e Cabaceiras do Paraguaçu.

No Baixo Sul, a iniciativa contempla os municípios de Camamu, Igrapiúna, Piraí do Norte, Gandu, Wenceslau Guimarães, Teolândia, Presidente Tancredo Neves, Valença, Jaguaripe, Aratuípe, Valença, Cairu, Tapeorá, Nilo Peçanha e Ituberá.

Fonte: Sepromi

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Para ministro da Igualdade Racial, estatuto é "extraordinário" e garante política de cotas

Brasília - O sociólogo Wilson Carlos Duarte Araújo já era aluno veterano de graduação quando a Universidade de Brasília (UnB) iniciou o regime de cotas para ingresso de negros no curso superior (2004). Ele avalia que a universidade mudou desde então e deu condições para a construção de uma nova imagem para os negros.

“As cotas abriram a possibilidade de que os negros fizessem parte da elite. Você já percebe na sociedade mudanças na forma como uma pessoa negra como eu pode ser representada. Começam a mudar as expectativas com relação a mim: hoje em dia eu não sou mais aquele cara que deve ser o servente. Eu posso ser um aluno da universidade, eu posso ser um professor ou qualquer outra coisa”, contou à Agência Brasil.

Para o ministro da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Eloi Ferreira de Araújo, o Estatuto da Igualdade Racial, aprovado ontem (16) pelo Senado Federal, criou base legal para as políticas de cotas nas universidades e outras políticas afirmativas. “A lei não trabalhou com proibição, a lei trabalhou com inclusão”, disse, afirmando que a partir da nova lei “o poder público adotará ações de política afirmativa no sistema de cotas para educação”.

Em sua avaliação, os questionamentos que a política de cotas sofre na Justiça, como a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186 movida no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo partido Democratas (DEM), caducarão. “Quando o presidente sancionar a lei, a arguição vai ficar muito enfraquecida. Agora nós temos a legislação”, salientou ao dizer que a ação no STF é “impertinente” e “inoportuna”: “a sociedade já havia reconhecido a política de cotas como uma realidade”.

Na opinião do ministro, o Estatuto da Igualdade Racial estabelece em lei o conceito de ação afirmativa que servirá como “guarda-chuva” para criação de incentivos fiscais a empresas que contratem negros, para o acesso à terra, para a valorização da cultura, para realização de pesquisas e para outros direitos. “O avanço é muito substantivo. Não há nenhuma legislação desde 1888 [Abolição da Escravatura] que reúna tantas possibilidades. Essas possibilidades se colocam como ponto de partida: é daqui para frente”, comemorou.

Para o ministro da Igualdade Racial, a lei aprovada pelo Senado é “extraordinária” e uma “vitória fantástica”. “Com esse estatuto nós colocamos uma argamassa poderosa na consolidação e sedimentação da nossa democracia. Fora do ambiente democrático, nós não teríamos condições de discutir esse tipo de matéria sobre a inclusão de negros e negras. Com a inclusão de negros e negras damos um passo definitivo na consolidação da democracia”, avaliou.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Senado aprova Estatuto da Igualdade Racial, mas retira cotas

Eduardo Bresciani
Do G1, em Brasília

O Senado aprovou nesta quarta-feira (16) o Estatuto da Igualdade Racial. O texto aprovado, no entanto, suprime do projeto a definição de cotas para negros em diversas atividades. Mais cedo a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) tinha aprovado a proposta e o parecer do relator, Demóstenes Torres (DEM-GO) foi mantido em plenário. O projeto segue agora para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

votação no Senado retirou do texto a previsão de cotas para negros em universidades, empresas e candidaturas políticas. No caso das empresas, a cota se daria por meio de incentivos fiscais à empresa. O relator do projeto e presidente da CCJ, Demóstenes Torres (DEM-GO), é contra as cotas e retirou a reserva de seu texto. Ele afirma que a intenção é que o Estatuto não crie enfrentamentos.

Um dos articuladores da votação, o senador Paulo Paim (PT-RS) minimizou a retirada das cotas. Ele destacou que outro projeto que trata sobre o tema já tramita na Casa e é lá que será feita essa discussão. Paim fez a articulação para a votação junto com Eloi Ferreira de Araújo, ministro da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial.

O projeto aprovado pelo Senado tem como intenção promover políticas públicas de combate à discriminação e igualdade de oportunidades. Existe também a previsão de políticas afirmativas para a raça negra.

Ainda na CCJ questionou-se a retirada por Demóstenes da previsão de atendimento específico na rede pública de saúde para a população negra. Paim também minimizou essa questão ao destacar que o projeto prega políticas afirmativas também na área da saúde.

O texto que sai do Senado tem ainda emendas de redação feitas por Demóstenes que retiram o termo “raça” de diversos artigos do projeto. O relator afirma que o termo não é correto e substituiu por “etnia” ou “população” as referências que antes eram feitas a “raça negra”.

O projeto prevê ainda que se dê títulos de propriedade definitiva a descendentes que morem em terrenos provenientes de quilombos. A titularidade já tinha sido definida por um decreto presidencial de 2003.

Raça é construção histórica, diz antropóloga

“Há duas estratégias no Brasil para debater o racismo: uma é o silêncio e outra é a negação”, afirma a antropóloga Rita Segato, professora da Universidade de Brasília (UnB) e Ph.D. pela The Queen’s University of Belfast, na Irlanda do Norte. Ela critica a decisão do senador Demóstenes Torres em retirar a expressão “raça” do texto final. “Não nomear é uma forma de não enfrentar o problema, de dizer que, para o Estado, essa comunidade de interesse, ou essa demanda, não existe”, diz.

A antropóloga acrescenta que o conceito de raça debatido não é o biológico, mas sim o construído historicamente. “A racialização é um fenômeno produzido. É uma leitura, um olhar sobre o corpo informado pela história. Que lugar na história atribuímos aos negros?”, questiona.

Outro argumento da professora é que a ideia de nação homogênea assentada sobre a “miscigenação consensual”, como disse o senador, já é mundialmente falida. “Nas grandes democracias do mundo, trabalha-se com a ideia de uma aliança entre povos diferentes que se constituem como uma coletividade”, acrescenta.

Fonte: Gazeta do Povo

Lei antirracismo chega “desfigurada” ao Senado

Após sete anos de discussão e muita polêmica, o Senado deve votar hoje um Estatuto da Igualdade Racial esvaziado da proposta original. O projeto, que visa combater a discriminação, será apreciado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e deve ser encaminhado ao plenário com um pedido de urgência para votação no mesmo dia. O texto já havia sido alterado na Câmara dos Deputados e passou por mais uma mudança com o relator Demóstenes Torres (DEM-GO), que rejeitou a expressão “raça” e vetou a exigência de reserva de 10% das vagas em partidos políticos a negros. As modificações desagradaram aos integrantes do movimento negro e ao próprio criador do projeto, o senador Paulo Paim (PT-RS).

As controvérsias ocorrem porque há quem defenda que a legislação devesse ser mais pontual, incluindo a questão das cotas no ensino superior público, por exemplo. Do outro lado, há os que dizem que esses itens criam uma clivagem entre raças, que não existia no país. Essa foi a tese vencedora entre os parlamentares.

A Câmara já havia vetado itens considerados controversos, como a exigência de um porcentual mínimo de afrodescendentes nos meios de comunicação. Na última semana, o senador Demóstenes Torres realizou mais modificações em seu parecer, deixando de fora a criação de políticas nacionais de saúde específicas para negros e incentivos para empresas que tivessem mais de 20% de trabalhadores negros. No parecer, Torres argumenta que “geneticamente, raças não existem. Na medida em que o Estado brasileiro institui o Estatuto da Igualdade Racial, parte-se do mito da raça. Deste modo, em vez de incentivar na sociedade brasileira a desconstrução da falsa ideia (...), por meio do Estatuto referido, o Estado passa a fomentá-la”.

Com base nesta justificativa, o senador orientou a supressão de expressões como “raça”, “identidade negra” e “derivadas da escravidão”. No início do ano, ele criou polêmica em uma audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) ao dizer que a miscigenação no Brasil teria ocorrido de forma consensual e não por violência. A reportagem tentou entrar em contato com Tor­res, mas a assessoria de imprensa do parlamentar informou que ele estava em viagem ao interior do estado de Goiás.

O senador Paulo Paim afirma que preferia a aprovação do texto como ele estava antes de ir para a Câmara. “Entendo os críticos, mas estou ao lado daqueles que gostariam que fosse diferente. Ainda assim, entretanto, o conjunto da lei representa a luta contra o preconceito”, afirma. Ele diz que apoia a votação a pedido de integrantes do movimento negro e do governo federal. “Se o racismo não existisse no Brasil, não teríamos precisado da Lei Áurea (que aboliu os escravos)”, completa.

Legado positivo

Para o presidente da Associação Beneficente Afro-Brasileira São Jerônimo e São Jorge, Pai Jorge Kibanazambi, o ponto notório do Estatuto é que ele garante o respeito às religiões de matriz afro, além de elementos como a capoeira. A associação coordenada por ele trabalha desde 1998 para preservar a cultura afro e oferta cursos de culinária, dança e língua iorubá. “Sou filho de duas gerações de mulheres do candomblé e convivi com o preconceito. O racismo existe de forma codificada. Dizem que não, mas todos sabem que existe”.

Fonte: Gazeta do Povo

Racismo cordial em ação

O Estatuto da Igualdade Racial foi, ao longo dos anos, sendo modificado para que fossem suavizadas as significantes indicações do comportamento racista nacional e, muito especialmente, os nefastos efeitos do racismo institucional que a sua aprovação documentaria.

Tensões, esforços e energia dos militantes do movimento negro nacional, dos companheiros antirracistas e do senador Paulo Paim estão se escoando nessa nova tentativa de sua aprovação, com base em um parecer da Comissão de Consti­­tuição, Justiça e Cidadania mais que enfraquecido pelas modificações realizadas nas duas casas legislativas. Ele retira o fundamento maior do documento que é a exigência da exclusão da palavra “raça” com argumentos pseudocientíficos de genes e genoma, quando o conceito já está consolidado no ideário científico e comum, não somente do Brasil, mas da comunidade internacional. É necessário trazer à memória o esforço da Organização das Nações Unidas (ONU), que reiteradamente tem editado e realizado convenções, conferências e reuniões para indicar aos países membros o fim do racismo e da discriminação racial, exigindo a implementação de políticas públicas para tal objetivo. Veja-se, por exemplo, a Con­venção Inter­­nacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discri­­minação Racial, e a recente III Conferência Mundial para a Eliminação de todas as Formas de Racismo, Discrimi­nação Racial, Xeno­­fo­­bia e formas conexas de Dis­­cri­minação. Seus relatórios e de­­clarações, todos aprovados pe­­lo Estado brasileiro, são ex­­plí­­citos na utilização dos termos “raça” e “racismo” para de­­signar o fenômeno social de uti­­lização da discriminação e ex­­clusão social com base no pertencimento racial.

Assim, a mudança do termo “raça” para “etnia”, assim como a retirada da referência à escravidão, a retirada da sub-seção “Do sistema de cotas na educação” e a retirada das proposições de medidas práticas para a promoção da igualdade racial no país nos setores de saúde, mídia e demais áreas de referência de qualidade de vida, são especiais eufemismos, com resultados contundentes para a manutenção das desigualdades sociais. Mais ainda: especialmente as modificações do parecer na comissão do Senado que encaminha o projeto para a votação e aprovação interferem negativamente para a educação da sociedade brasileira, que deveria, sim, ser dirigida para a promoção de uma sociedade justa e de respeito ao papel da população negra como efetiva realizadora e contribuidora do desenvolvimento nacional, desde o período da escravidão até nossos dias.

Em vez disso, o que vemos no projeto modificado é mais um “presentinho do racismo cordial brasileiro”, que a um tempo indica um “compromisso” do Estado brasileiro para a promoção da igualdade (racial), mas por outro retira significativamente a efetividade da lei na promoção e implemen­­tação de políticas públicas de real promoção da igualdade racial.

Dora Lucia de Lima Bertulio é Procuradora Federal na Fundação Cultural Palmares

Fonte: Gazeta do Povo

Entidades de todo o país pedem retirada do Estatuto da pauta

Brasília - Organizações tradicionais do Movimento Negro - entre as quais, o Movimento Negro Unificado (MNU), o Coletivo de Entidades Negras (CEN), o Círculo Palmarino, a UNEAFRO/Brasil - e do Movimento Social, como o Tribunal Popular, o MST e a Federação Nacional das Associações de Moradores – encaminharam Carta Aberta ao Senado pedindo a retirada em definitivo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial, produzido no contexto do acordo da SEPPIR com o senador Demóstenes Torres (DEM-Goiás).

Sem a retirada, o projeto deverá ser o primeiro item da pauta da sessão do Senado desta quarta-feira (16/06), conforme anuncio feito pelo ministro Elói Araújo.

Segundo as entidades a medida é necessária para que “os movimentos e a população negra possam retomar e recuperar as propostas originais do projeto, em uma outra legislatura”.

Até a noite desta terça-feira, 68 organizações de todo o país haviam assinado o documento, que é também apoiado pelos deputados federais da Bahia, Luiz Alberto – historicamente ligado ao MNU – e Zezéu Ribeiro. Os deputados paulistas - com bases no Movimento Negro, como Janete Pietá e Vicente Paulo da Silva, Vicentinho, não se posicionaram.

Apelo a Paim

Também do Rio Grande do Sul, a base do senador Paulo Paim – o único senador negro da República – começou a reagir. Em entrevista à Afropress, o advogado Onir Araújo, que se destacou na defesa e regularalização das terras do Quilombo dos Silva - o primeiro quilombo urbano, a ter as terras regularizadas -, disse esperar “que o senador vá a tribuna do Senado e atenda as expectativas geradas no povo negro, que foi fundamental na sua apertada vitória eleitoral oito anos atrás, e peça a retirada do projeto da pauta" (veja a entrevista).

Para Araújo – e lideranças negras gaúchas – o projeto “é um verdadeiro retrocesso em relação ao acúmulo de luta do Povo Negro nas últimas quase quatro décadas, vazio de determinações concretas como o Fundo de Reparação e segurança jurídica para questões centrais para o nosso povo como as Políticas Afirmativas e a defesa dos territórios Quilombolas, ou seja, políticas de Estado perenes, e não de Governo”.

Na véspera a Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN), organização ligada ao PT, também se manifestou contra a votação da versão do projeto fruto do acordo SEPPIR/Demóstenes.

Entre as articulações de ativistas com presença nacional, por enquanto, apenas a UNEGRO - União de Negros pela Igualdade - não se manifestou, embora se saiba que alguns dos seus dirigentes - entre os quais, Edson França - estão contra o acordo.

Unidade

No documento encaminhado ao Senado da República, as entidades, num raro gesto de unidade, afirmam que, ao contrário da defesa feita pelo ministro Elói Araújo, da SEPPIR, a versão do texto produzido pelo acordo com Demóstenes “vai contra tudo o que estava como premissa básica no cerne original da proposta”.

“Ao não reconhecer o racismo como advindo de um processo de escravização e violação da liberdade de vários povos africanos; ao não reconhecer a dívida histórica do país com sua população negra; ao não permitir sequer que medidas compensatórias e/ou afirmativas sejam colocadas como vitais para reparar todas as desigualdades oriundas do racismo brasileiro; compreendemos que o Estatuto cumpriu seu papel de suscitar o debate mas, ao mesmo tempo, esgota-se e torna-se inútil à medida em que o que se quer votar não corresponde em nada à proposta original”, acrescentam.

O documento – articulado pelo Coletivo de Entidades Negras da Bahia (CEN) e pelo seu coordenador geral Marcos Rezende – reúne dezenas de entidades religiosas e de quilombos como o Conselho Nacional de Iyalorixás e Ekedes Negras, a Associação de Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio, o Conselho Estadual de Comunidades Quilombolas da Bahia, e a Federação Estadual das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais.



Brasil, 15 de junho de 2010

Ao Senado da Republica do Brasil, aos Senadores Brasileiros e ao Povo Brasileiro

A propósito, da possibilidade de entrada em pauta e da votação do Estatuto da Igualdade Racial no Senado Federal, as entidades do Movimento Negro vêem conclamar os senhores Senadores a retirarem de pauta o referido projeto.

A compreensão de grande parte do Movimento Negro brasileiro é que a atual versão, proposta pelo senador Demóstenes Torres, vai contra tudo o que estava como premissa básica no cerne original da proposta. Ao não reconhecer o racismo como advindo de um processo de escravização e violação da liberdade de vários povos africanos; ao não reconhecer a dívida histórica do país com sua população negra; ao não permitir sequer que medidas compensatórias e/ou afirmativas sejam colocadas como vitais para reparar todas as desigualdades oriundas do racismo brasileiro; compreendemos que o Estatuto cumpriu seu papel de suscitar o debate mas, ao mesmo tempo, esgota-se e torna-se inútil à medida em que o que se quer votar não corresponde em nada à proposta original.

Assim, nós entidades nacionais do Movimento Negro e Movimento Social Brasileiro, reivindicamos aos Senhores Senadores a retirada em definitivo do referido projeto de pauta, de modo que os movimentos e a população negra possam retomar e recuperar as propostas originais do projeto, em uma outra legislatura.
Fonte: Afropress

Comissão de Justiça aprova Estatuto

Brasília - Por unanimidade e ignorando apelo de mais de uma centena de entidades negras e anti-racistas, inclusive as ligadas à base do Governo, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado - integrada por membros de todos os Partidos - aprovou o projeto do Estatuto da Igualdade Racial, fruto do acordo envolvendo o senador Demóstenes Terres (DEM-Goiás), com o ministro Elói Ferreira de Araújo, da SEPPIR.

Demóstenes alterou o projeto original do senador Paulo Paim (PT-RS), que já havia sido alterado por um substitutivo do ex-senador Rodolpho Tourinho (à época no PFL, atual DEM, da Bahia) e por um acordo negociado entre todos os parlamentares na Câmara dos Deputados, excluindo dispositivos que defendiam cotas, questões de saúde, inclusão no mercado de trabalho e na comunicação e a questão das terras de quilombos. O projeto, poderá ser votado ainda nesta quarta-feira (16/06) pelo plenário do Senado.

Acordo

Durante a votação na Comissão de Constituição e Justiça, presidida pelo senador Geraldo Mesquita (PMDB-AC), o atual ministro da SEPPIR, Elói Ferreira, e o ex, deputado Edson Santos (PT-RJ), foram chamados para integrar a mesa e manifestavam satisfação a cada declaração de voto dos senadores.

O relatório de Demóstenes que, segundo a maioria das entidades organizadas do Movimento Negro - desfigura e mutila o Estatuto - recebeu declarações de apoio dos senadores Romeu Tuma (PTB-SP), César Borges (PR-BA), Antonio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA), Renato Casagrande (PSB-ES), Antonio Carlos Valadares (PSB/SE), Flecha Ribeiro (PSDB-RJ), Lúcia Vânia (PSDB-GO), Eduardo Suplicy (PT-SP), Serys Slhessarenko (PT-MT) e Paulo Paim.

Suplicy, ao declarar voto, lembrou que dos 23 jogadores que integram a seleção brasileira que disputa a Copa do Mundo na África, pelo menos 17 são negros. Paim fez uma manifestação constrangida explicando que teve o apoio da SEPPIR e de mais ou menos 20 entidades do Movimento Negro para fazer o acordo.

Paradoxalmente, a senadora Serys - que não é negra e tem ascendência lituana -, embora votando a favor, foi a única que o fez com ressalvas pelo fato de Demóstenes ter excluído as cotas - que já são adotadas por mais 90 universidades brasileiras - e todo o capítulo que tratava da questão da saúde da população negra.
Fonte: Afropress

CCJ do Senado aprova Estatuto da Igualdade Racial, mas retira cotas

Eduardo Bresciani
Do G1, em Brasília


A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (16) o Estatuto da Igualdade Racial. O texto que sai da comissão, no entanto, suprime do projeto a definição de cotas para negros em diversas atividades. O senador Paulo Paim (PT-RS) pretende apresentar nesta tarde um requerimento assinado pelos líderes para dar urgência ao projeto. Com isso, ele poderá ser analisado direto no plenário, sem precisar passar por outras comissões.

A votação foi por unanimidade, apesar de as senadoras Serys Shlessarenko (PT-MT) e Lúcia Vânia (PSDB-GO) terem feito ressalvas quanto a retirada das cotas. No texto que veio da Câmara havia a previsão de cotas para negros em universidades, empresas e candidaturas políticas. No caso das empresas, a cota se daria por meio de incentivos fiscais à empresa.

O relator do projeto e presidente da CCJ, Demóstenes Torres (DEM-GO), é contra as cotas e retirou a reserva de seu texto. Ele afirma que a intenção é que o Estatuto não crie enfrentamentos.

Outro ponto questionado no relatório de Demóstenes é a retirada do texto da previsão de atendimento específico na rede pública de saúde para a população negra. Serys foi uma das mais veementes contra essa decisão do relator. “Discordo de ter suprimido isso. No parto morrem seis vezes mais mulheres negras do que brancas, a hipertensão e anemia falciforme são doenças que atingem mais os negros e precisam ter tratamento específico”.

Apesar das ressalvas, o projeto foi aprovado. Ele tem como intenção promover políticas públicas de combate à discriminação e igualdade de oportunidades. Existe também a previsão de políticas afirmativas para a raça negra.

Ao final da votação, alguns integrantes do movimento negro protestaram contra o resultado. Gritando palavras de ordem como “vergonha” e chamando os senadores de “traidores” eles deixaram o plenário reclamando das mudanças feitas no projeto.

Líderes gaúchos pedem ação de Paim

Porto Alegre/RS - O Movimento Negro gaúcho, por meio de lideranças organizadas no Movimento Negro Unificado (MNU), está fazendo um apelo ao senador Paulo Paim, do PT, – o único negro entre os 81 senadores – para que suba a tribuna e peça a retirada da pauta do projeto do Estatuto da Igualdade Racial, fruto do acordo negociado pela SEPPIR com o senador Demóstenes Torres (DEM-Goiás).

Segundo, o advogado Onir Araújo, membro do GT-Quilombola e Jader Fontoura – ambos dirigentes do MNU gáucho -, “o projeto é um verdadeira retrocesso em relação ao acúmulo de luta do Povo Negro nas últimas décadas” e a sua aprovação – se vier a acontecer – trará conseqüências nefastas”.

Veja a entrevista do advogado do MNU
Afropress - Qual a mensagem e o apelo que vocês do MNU/RS teriam a fazer ao senador Paulo Paim, que é o único senador negro do Rio Grande do Sul?

Onir Araújo - Que o Senador, protagonize no Senado atendendo as expectativas geradas no povo negro, que foi fundamental na sua, apertada vitória eleitoral oito anos atrás, e de acordo com a manifestação de várias entidades do Movimento Social Negro, Quilombola e Social, peça a retirada de pauta do projeto do Estatuto do Demóstenes.

Afropress - Qual a avaliação que o senhor faz do projeto de Estatuto do senador Demóstenes Torres, do DEM?

Araújo - O projeto é um verdadeiro retrocesso em relação ao acúmulo de luta do Povo Negro nas últimas quase quatro décadas, vazio de determinações concretas como o Fundo de Reparação e segurança jurídica para questões centrais para o nosso povo como as Políticas Afirmativas e a defesa dos territórios Quilombolas, ou seja: políticas de Estado perenes, e não de Governo, frisando ainda que as referidas políticas estão sendo violentamente atacadas através de ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) protagonizadas pelo partido do próprio Demóstenes o DEM.

Afropress - Quais serão as consequências da aprovação do parecer do senador Demóstenes?

Araújo - Serão extremamente nefastas, pois fica no ar, sob o ponto de vista de segurança jurídica, conquistas da luta e suor do nosso povo, como as que envolvem os territórios Quilombolas, bem como as Políticas Afirmativas tanto na Educação como no mundo do Trabalho.

É importante lembrar que são dezenas de Universidades onde já se aplica as políticas afirmativas, bem como, milhares de Comunidades Quilombolas ainda esperando o que a Constituição de 88 outorgou através do artigo 68 da ADCT.

Afropress - Qual é o Estatuto que, na vossa opinião, pode representar o projeto original apresentado pelo senador Paim?

Araújo - O que contemple, não meras declarações de intenção, mas que tenha caráter determinativo de políticas de Estado no que se refere ao Fundo de Reparação, políticas afirmativas na Educação e no mundo do Trabalho, bem como a titulação das Terras de Quilombo, ou seja: um Estatuto que prepare o caminho para que haja a devida reparação aos crimes de lesa humanidade cometidos contra o nosso povo ao longo da História.

Importante frisar que boa parte das grandes fortunas existentes no país e no mundo se deu com a exploração de nosso povo, em África e na Diáspora Africana, bem como com o Tráfico Tumbeiro.

Afropress - Faça as considerações que julgar pertinentes.

Araújo - Quando o Senador Paim foi Eleito, o Historiador Décio Freitas lhe fez uma emocionante e bela homenagem em artigo em Jornal de grande circulação no Estado do Rio Grande com a chamada "Um Zumbi no Senado". A nossa expectativa, não passiva, pois estamos protagonizando através do MNU-Nacional e várias organizações do Movimento Social Negro e Social uma mobilização pela retirada de pauta do projeto do Demóstenes, para que o Senador honre a homenagem feita pelo velho e hoje falecido historiador, que haja como Zumbi, que se recusou, ao contrário do líder e seu tio Ganga Zumba, fazer um acordo com a Coroa Portuguesa, que entregava as melhores terras de Palmares, e devolvia para o cativeiro o restante dos Quilombolas, com exceção do seu séquito de seguidores.

Estamos testemunhando, séculos depois, a mesma história, só que ao invés da Coroa Portuguesa, está o Estado Brasileiro a serviço do agro-negócio, Banqueiros etc; ao invés de Ganga Zumba, a SEPPIR e entidades que chancelam essa verdadeira negociata. Esperamos que o senador homenageie o velho historiador e as tradição de luta do nosso povo, agindo como Zumbi e não como Ganga Zumba, pois a nossa opção já está definida como herdeiros de Zumbi.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Quizilas e Preceitos - II

As quizilas têm por objetivo principal evitar que a (o) filha (o) de santo se exponha a influências maléficas, ou seja, descreve-se como sendo de natureza essencialmente profilática.

"Os outros seres podem carregar consigo más influências e (a filha de santo) não deve deixar ninguém se sentar ou se deitar em sua esteira ou cama. Não terminará o que outra pessoa começou; não pode fechar o que alguém abriu e evita deixar gavetas, caixas ou malas abertas. Não come o resto dos outros, não usa suas roupas, não come nem bebe em recipientes já usados por alguém. Não recolhe lixo com as mãos; não recolhe lixo que outra pessoa varreu. Cuida para que ninguém passe o braço, a mão ou um objeto qualquer em cima de sua cabeça, pois é lá que está seu orixá" (Cossard-Binon 1981, p.134).

Como se vê, a vida da iaô é inteiramente ritmada por preceitos e proibições. Tem de proteger-se, mas deve também cuidar de nada fazer que possa dilapidar a força sagrada, axé, que impregna todos os objetos consagrados e, entre eles, seu próprio corpo. Daí a preocupação com banhos, com a maneira de vestir-se, e, notavelmente, alimentar-se.

Nesse ponto, Cossard-Binon assinala, e, o autor define por "transgressão incentivada", pois não se ensina à iniciada quais as proibições que deve respeitar. Espera-se que a iaô incorra em erro, para, em seguida, repreendê-la. "As pessoas mais antigas do candomblé sentem um certo prazer em interrogar maliciosamente as jovens iaô para saber se comem este ou aquele alimento consagrado a seus orixás. Se elas respondem que não respeitaram as proibições, as mais antigas não deixam de comentar suas respostas com ironia". (ib., p.135). Como a iniciada jamais deve fazer perguntas, fato também assinalado pela mesma autora, o mais provável é que cometa inúmeras transgressões. No caso citado por Cossard-Binon, são "as mais velhas" que se encarregam de verificar a observância das quizilas e censurar as faltas. Além do prazer malicioso que qualquer pessoa - até fora do terreiro - sente em apontar erros alheios, parece que, no caso do candomblé, emerge outra dimensão. As mais velhas são depositárias do saber, seu poder provém da longa convivência com o sagrado, e através delas é todo o valor da tradição ancestral que se afirma. Nessa perspectiva, o não esclarecimento dos neófitos parece até justificar-se. Pois o saber ancestral deve ser aprendido aos poucos, devagar, não constitui simples aquisição de informações, mas é modo de ser. A aprendizagem das regras caminha junto com o amadurecimento do adepto. Do mesmo modo, somente a continua convivência com o terreiro permite ao observador de campo perceber as sutis filigranas que articulam todo jogo, comparações, na vida cotidiana da casa de santo.

Um outro tópico também muito importante levantado por Costa Lima, "o tabu do incesto na família de santo"(1977). Sabe-se, desde as observações de Bastide(1978), que os membros de uma família unida por laços míticos e rituais. Deste modo, a exogamia é a regra, pois qualquer relação sexual entre membros da comunidade seria considerada como incesto.

Para ilustrar apenas essa regra, "os noviços do mesmo 'barco' são 'irmãos e irmãs de esteira', unidos por laços particularmente estreitos. A interdição estende-se também aos membros de outros 'barcos', por serem todos filhos da mesma Mãe. Aos ogãs e ekedi, tampouco é ilícita a união entre si ou com os demais sacerdotes e sacerdotisas. Com efeito, cada ogã é considerado por todos os filhos ou filhas da casa como pai. Não se pode unir à ialorixá pelos seguintes motivos: se o dono de sua cabeça for o mesmo da mãe de santo, o ogã passa a ser considerado como seu pai, se o dono da cabeça for diferente, o ogã é então considerado como um dos filhos da ialorixá. O mesmo sistema aplica-se às relações entre ogã e ekedi". (Augras, 1983, p. 203), e assim por diante.

Assinala o autor que, na vida cotidiana, não é muito fácil distinguir proibições rituais de normas éticas, ou, melhor dizendo, os aspectos rituais parecem mediar a articulação das regras éticas de conduta. A maneira como a comunidade costuma lidar com a transgressão desse tabu específico é bastante reveladora das regras implícitas de comportamento que norteiam as estratégias do grupo. "O certo fazer é não fazer. Mas se a pessoa tem um caso com um irmão de santo, a gente procura explicar de uma maneira que se entenda dentro da lei da seita" ( Costa Lima, 1977, p. 168). em certos casos, a transgressão é sancionada pela expulsão pura e simples dos culpados. De acordo com o autor, contudo, essa sanção automática, quase mecânica, constitui a exceção. O que costuma acontecer é o complexo desencadeamento de um processo de reinserção do transgressor no sistema, com o paralelo acréscimo da força sagrada. Diz um informante de Costa Lima: "O santo pode achar que um homem de Ogum(filho de Ogum) pode se casar com uma mulher que também é filha de Ogum - porque isto pode trazer benefícios para sua filha. Neste caso, é o próprio santo que suspende a quizila". E também "O santo permite se quiser, ou impede se quiser". (Costa Lima,1977, p.173, grifo do autor).

Vale dizer: o que importa não é a cega obediência aos preceitos, o fundamental é atender à vontade dos deuses. À medida que é o próprio orixá que promove a transgressão, ele, mais uma vez, afirma seu poder. De novo, comprova-se a imprescindibilidade da transgressão como elemento essencial de confirmação do caráter arbitrário e ilógico do poder dos deuses.

Cada terreiro compõe uma unidade fechada sobre si própria, com suas regras, suas tradições, e procura zelar pela manutenção das mesmas com um mínimo de interferências externas. Deste modo, preceitos e interdições sofrem inúmeras variações, pois não estão ligados apenas às características de cada orixá - que são mais ou menos "universais", como se verá adiante - mas também se originam das diversas idiossincrasias de cada membro da comunidade. Diz: S.M.E., mãe de santo de nação Ketu, com muita preocupação pela ortodoxia de origem africana: "Aqui no Brasil, o euó vem de muitos lugares. Já na África, ele é localizado, étnico, tribal, familiar. Nem sempre é ligado ao culto, seja de orixá ou antepassados. Por isso, sempre o que é de família, ou nação, serve para todos. O que determina, para um iniciado, seu euó, é o odu de nascimento. Depois de iniciado, na saída do orunko, o filho joga, na frente do povo, para determinar seu odu, sua personalidade e seus euó.Cada odu tem seus euó particulares. Não só quanto à comida vestimenta, atitudes, casamento, profissões. Aqui em casa o euó é usado de maneira africana, por causa de meu pai, mas ainda respeito resquício de euó de minha mãe". Ocorre que a informante foi iniciada primeiro em casa de célebre mãe de santo de nação Angola e encaminhou-se mais tarde para a nação Ketu, tendo hoje um sacerdote nigeriano como seu pai de santo. Apesar de toda sua ortodoxia, não pode deixar de atender às regras e proibições de sua casa de origem, por fazerem parte de sua própria historia. Há, portanto, proibições que são herdadas, de acordo com as raízes do pai ou mãe de santo.

Há também quizilas individuais. Estas quizilas são sempre tiradas pelos orixás ou pelos odus. Existe também euó criado pela própria pessoa, quando muito supersticiosa. Na minha vivencia pessoal de terreiro, confesso que jamais consegui deslindar o que poderia ser criação individual do que era apresentado como quizila determinada pelo próprio orixá ou odu. É possível, no entanto, que tais criações, no decorrer do tempo, passem a ser incorporadas no acervo de proibições da casa, particularmente no caso de pessoas antigas e, conseqüentemente, respeitadas. Em compensação, o que se observa, na vida cotidiana da comunidade, é o progressivo ajustamento do filho de santo às quizilas que lhe foram indicadas. "Nos quarenta dias (contados a partir da iniciação) verifico cuidadosamente os alimentos do orixá da pessoa", declara S.M.E., "se comer e não fizer mal, então vá em frente". Outros informantes esclareceram tratar-se de uma verdadeira aprendizagem por ensaio e erro. "A gente vai testando, se passar mal, aí sabe que é quizila mesmo". Parece que o filho de santo vai negociando constantemente suas possibilidades de ação e seus limites. Novamente encontramos o "jeitinho", como mecanismo intrínseco de lidar com o sagrado.

As proibições, alias, não são apresentadas como estáveis. Vão mudando de acordo com o status do iniciado, ao longo de sua vida sacerdotal. Isso é particularmente notável em relação às interdições que chamamos de profiláticas, já que, acompanhando ritos de passagem, têm por objetivo preservar o iniciado de contatos ou situações perigosas.

Após realizar o primeiro bori, o filho de uma casa tradicional de Ketu recebe as seguintes recomendações: "durante três meses, não entrar em hospital, nem cemitério, praia só depois de seis meses, evitar sol e sereno, manter abstinência sexual por 21 dias, e, por um mês, não cortar o cabelo, não beber, nem entrar em pagode(S.C.M.).

Pessoa recém-iniciada, enquanto usar o Kelê, colar que "significa a sujeição absoluta do iniciado ao orixá e obediência total à mãe ou pai de santo que fez a cabeça"(Cacciatore, 1977, p. 163), deverá, conforme informação de nação ijexá, usar roupa branca sempre, cobrir a cabeça com pano branco quando na rua, estar em casa às 12, 18 e 24 horas, tomar banho de abô semanal, dormir em esteira, não ter relações sexuais, não comer à mesa, não sentar em lugares que os outros sentam, só na esteira, não comer sal às sextas-feiras, não passar em cemitérios nem hospital, e usar contra-egun", proibições às quais as casas de jeje acrescentam a recomendação singular de não olhar no espelho, nem olhar no olho das pessoas".

Não obtivemos explicação para essa interdição mas não se pode deixar de lembra que, em várias culturas, o espelho é considerado como algo ligado à morte e à irrupção da alteridade.

Fonte: http://www.alaketu.com.br




segunda-feira, 14 de junho de 2010

Revista Religião e Sociedade disponível no Portal do SciELO

Já está disponível no Portal SciELO – Scientific Electronic Library Online o último número da revista Religião e Sociedade. Para acessar o conteúdo da revista disponível no portal, visite: www.scielo.br/scielo

O SciELO é um projeto em construção que funciona como uma biblioteca eletrônica de periódicos científicos brasileiros. Através de uma metodologia específica de avaliação, preparação e armazenamento dos conteúdos dos periódicos selecionados, promove uma ampla divulgação e disseminação da produção científica brasileira nas mais diversas áreas de conhecimento.

Este número de Religião e Sociedade traz uma série de artigos que tratam da temática da oração, em comemoração aos cem anos de publicação da obra clássica de Marcel Mauss, A Prece. Inspirados pelo material produzido por Mauss, os autores dos artigos recuperam o debate em torno da centralidade da oração e da prece para o conjunto da vida religiosa e social, através de pesquisas realizadas com grupos religiosos diferentes. As múltiplas abordagens apresentadas nos textos possibilitam o acesso plural ao fenômeno da oração, transitando desde a análise de sua interface ritual, passando por sua dimensão de técnica corporal, até sua versão material, quando encarna um objeto. É justamente pelo exercício de problematização do fenômeno da oração que este número de Religião e Sociedade merece ser consultado.

Boa leitura!

Religião e Tv tem a ver?

Christina Vital da Cunha
Drª Ciências Sociais pelo PPCIS/UERJ
Profª. Adjunta Antropologia Cultural – UFF
Colaboradora do ISER



A presença dos evangélicos na mídia impressa no Brasil tem início com as Missões Protestantes nos anos de 1830. Nessa época, Presbiterianos, Metodistas e outros chamados Evangélicos Históricos ou de Missões, mantinham jornais, boletins semanais nos quais divulgavam a Palavra. Pouco mais de um século depois, mais precisamente nos anos de 1940, surgiram os primeiros programas de rádio evangélicos. As pioneiras nesta frente de atuação foram a Igreja Adventista e a Assembléia de Deus. Em 1960 surgiram os primeiros programas evangélicos na TV brasileira, no entanto, não eram veiculados em rede nacional e tinham o perfil de curta duração. Os Adventistas, como na programação de rádio, foram os pioneiros na realização de programas evangélicos na televisão.

Os pentecostais chegaram à mídia televisiva somente em 1960, na TV TUPI, num programa com a direção de Mac Alister, da Igreja Nova Vida. Nos anos 1980, a presença evangélica na televisão se massificou. As rádios, no entanto, anos antes da tv, já contavam com um sem número de programas evangélicos durante sua grade horária diária.

Na pesquisa “Evangélicos e Doutrina no Ar: uma investigação sobre os evangélicos nas Comissões e Conselhos do Legislativo Nacional”, ISER/FUNDAÇÃO FORD, realizada entre os anos de 2007 e 2009 observamos a presença das religiões na mídia hoje em meio aos fortes debates sobre a democratização da comunicação no Brasil. Na pesquisa fizemos observação direta em fóruns, seminários e conselhos nacionais e internacionais que tratam da temática da mídia. Realizamos, ainda, entrevistas com diversos atores presentes neste debate como intelectuais, pesquisadores, políticos evangélicos e militantes pela democratização da comunicação no país.

Um dos resultados desta pesquisa alerta para o descompasso entre as expectativas dos vários atores sociais quanto ao papel das mídias na sociedade na atualidade. Para os evangélicos, foco principal de nossa pesquisa, a TV deve desempenhar um papel para a construção de uma sociedade menos violenta, mais igualitária. Neste sentido, o avanço dos programas e emissoras de TV evangélicas é visto positivamente e justificado como um serviço prestado à sociedade no momento em que este segmento religioso agrega um conhecimento à sociedade que pode transformá-la para melhor . Nas palavras de um deputado federal que compõe a Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional:

“Ela (a igreja) tem uma missão. Por exemplo, Jesus disse que ela é o sal da terra e a luz do mundo; ela foi um sal, mas um sal que esteve só no saleiro, né? Então, pra salgar, tem que estar em contato com a matéria. Recuou bastante, né, e esse perfil é um perfil que deu prejuízo; perfil de comportamento, perfil de visão estratégica, perfil de atuação; deu prejuízo; hoje, tem que correr, correr contra o tempo, buscar rádio, buscar televisão, buscar todos os meios de comunicação pra que o evangelho realmente faça a diferença, porque senão daqui uns dias a gente vai ter um país insuportável, né? Você hoje vê um país... A Segurança Pública, por exemplo, está com deficiência e todo mundo sabe que o governo não dá conta disso; a igreja dá conta disso. Parece algo absurdo dizer que ninguém dá conta disso, da questão... Se a igreja chegar com o evangelho na família do bandido, enquanto esse bandido não nasceu, está nascendo, ou tenha nascido, e seja uma criança, o evangelho muda o destino, correto? Agora, depois que o cara nasce, cresce e pega uma metralhadora, você não consegue mais; é difícil você ganhar uma pessoa dessa pra trazê-lo, pra ser uma boa pessoa, né? Mas se o evangelho chegar lá, antes do perigo, antes do problema, o evangelho cura isso. O remédio pro Brasil passa por isso. O governo hoje gasta 10% do PIB, mais do que saúde, educação, assistência social, tudo junto, com segurança e está aí essa situação. Quer dizer, é um trabalho que ele faz, um trabalho, digamos assim, que não é preventivo, é um trabalho curativo, uma força e tal, mas não segura, porque uma máquina aqui produzindo bandidos 24 horas, né, induzido pelas questões sociais, induzido pela falta de conhecimento, de temor de Deus, de respeito, de tudo; o evangelho muda esse comportamento e bota o cara para ser uma boa pessoa, um bom cidadão, um bom pai de família, uma boa mãe de família”.

Em contraposição a este discurso estão variados atores que rechaçam a presença das religiões na mídia pautados, principalmente, nos argumentos seguintes: 1) o caráter laico do Estado Brasileiro. Sendo assim, não caberia ao executivo conceder outorgas de rádio e TV, que são bens públicos, para segmentos religiosos; 2) outra frente de argumentos refere-se à qualidade do conteúdo oferecido pelos programas religiosos. Isto é, retomam a discussão do papel social da TV e rádio afirmando que os conteúdos devem ser democráticos, isto é, devem atender ao gosto de todos e não somente de alguns, e devem ter qualidade. Os bens públicos, nesta chave de leitura, não deveriam ser destinados à apresentação destes conteúdos religiosos que não se adequariam aos padrões de qualidade educativos e lúdicos que estes grupos defendem; 3) discute-se a legalidade da sublocação de horários nas TVs abertas (o que atinge não só, mas principalmente, os programas evangélicos).

Neste momento o ISER prepara-se para continuar acompanhando e interferindo neste debate, pois acreditamos que deste modo estaremos contribuindo para o esclarecimento de importantes questões que tomam o debate público. Pretendemos, assim, contribuir para o fortalecimento dos direitos humanos a partir da produção de informações confiáveis que subsidiem mais e mais a nossa ação e a dos demais militantes pela transparência nas concessões públicas de TV e rádio, pela democracia na produção de conteúdos e para um TV brasileira de maior qualidade para todos.

Ossaim dá uma folha para cada orixá


Ossaim, filho de Nanã e irmão de Oxumare, Euá e Obaluaiê, era o senhor das folhas, da ciência e das ervas, o orixá que conhece o segredo da cura e o mistério da vida.
Todos os orixás recorriam a Ossaim par curar qualquer moléstia, qualquer mal do corpo.
Todos dependiam de Ossaim na luta contra doença.
Todos iam à casa de Ossaim oferecer seus sacrifícios.
Em troca Ossaim lhes dava preparados mágicos: banhos, chás, infusões, pomadas, abô, beberagens.
Curava as dores, as feridas, os sangramentos; as disenterias, os inchaços e fraturas; curava as pestes, febres, órgãos corrompidos; limpava a pele purulenta e o sangue pisado; livrava o corpo de todos de os males.
Um dia Xangô, que era o deus da justiça, julgou que todos os orixás deveriam compartilhar o poder de Ossaim, conhecendo o segredo das ervas e o dom da cura.
Xangô sentenciou que Ossaim dividisse suas folhas com os outros orixás.
Mas Ossaim negou-se a dividir suas folhas com os outros orixás.
Xangô então ordenou que Iansã soltasse o vento e trouxesse ao seu palácio todas as folhas das matas de Ossaim para que fossem distribuídas aos orixás.
Iansã fez o que Xangô determinara.
Gerou um furacão que derrubou as folhas das plantas e as arrastou pelo ar em direção ao palácio de Xangô.
Ossaim percebeu o que estava acontecendo e gritou:
"Euê uassá!"
"As folhas funcionam!"
Ossaim ordenou às folhas que voltassem às suas matas e as folhas obedeceram às ordens de Ossaim.
Quase todas as folhas retornaram para Ossaim.
As que já estavam em poder de Xangô perderam o axé, perderam o poder de cura.
O orixá-rei, que era uma orixá justo, admitiu a vitória de Ossaim.
Entendeu que o poder das folhas devia ser exclusivo de Ossaim e que assim devia permanecer através dos séculos.
Ossaim, contudo, deu uma folha para cada orixá, deu uma euê para cada um deles.
Cada folha com seus axés e seus ofós, que são cantigas de encantamento, sem as quais as folhas não funcionam.
Ossaim distribuiu as folhas aos orixás para que eles não mais o invejassem.
Eles também podiam realizar proezas com as ervas, mas os segredos mais profundos ele guardou para si.
Ossaim não conta seus segredos para ninguém, Ossaim nem mesmo fala.
Fala por ele seu criado Aroni.
Os orixás ficaram gratos a Ossaim e sempre o reverenciam quando usam as folhas.



(Mitologia dos Orixás,2001,pp.154)

domingo, 13 de junho de 2010

Quizilas e Preceitos - I

Todas as regras de comportamento dentro do terreiro remetem a estrito sistema de preceitos e proibições. Na maioria das vezes, no entanto, tais normas não são explicadas verbalmente. Cabe aos noviços observarem o comportamento dos mais velhos, tirarem suas próprias conclusões - jamais devem fazer perguntas - e tentar acertar por sua conta e risco. Pois o desrespeito às regras é imediatamente apontado. Cochichos dos demais, ironias dos mais velhos, suave reprimenda ou violenta repreensão da mãe (ou pai) de santo, todas as espécies possíveis de censura sancionam na hora o menor deslize. Ao mesmo tempo, contudo, há situações em que a infração é, por assim dizer, incentivada. Quizila é coisa muito séria.

"Em Angola", escreve Alfonso da Silva Rego (citado por Crossard - Binon,1981, p.134), "existe uma palavra que exprime uma idéia que encontramos em todos os lugares, a idéia daquilo que não é bom, que não convém, que é contrario à tradição ou à etiqueta, aquilo que se deve fazer etc. É a palavra Kijila". Formado a partir o étimo quimbundo, o termo quizila expressa, nos terreiros brasileiros, exatamente a mesma coisa, relativa a todas as filigranas dos preceitos e das proibições, e, mais especificamente, às interdições ligadas à idiossincrasias do "dono da cabeça" de cada iniciado. "É quizila do meu santo", eis uma das frases mais ouvidas em todos os terreiros, sejam de origem bantu ou nagô. A palavra quizila será utilizada, de preferência ao termo euó, forma brasileira do iorubá èèwò, de uso bem mais restrito no cotidiano dos terreiros.

Descrevendo as aprendizagens da filha de santo, Giselle Crossard-Binon enumera vários tipos de quizilas, insistindo no seu caráter rigoroso, mas não deixa de registrar episódios nos quais ate o próprio pai de santo infringe proibições publicamente. Nesse caso, precauções verbais são tomadas, para que a divindade não possa perceber "a ofensa que se lhe faz"(1981, p.136). Esse tipo de malandragem é bem freqüente nos terreiros. Chamar abóbora de "inhame vermelho", ou caranguejo de siri, é meio de contornar as situações. Mas a proibição permanece. A infração, ainda que jocosamente esvaziada do significado transgressor, parece paradoxalmente sublinhar a intangibilidade da lei.

A transgressão é enfocada como algo obviamente negativo, destruidor, indesejável. O que se observa do caso do terreiro é um mecanismo muito mais complexo. A transgressão é ao mesmo tempo sancionada e incentivada. No comportamento diário, não somente falhas são insinuadas, como se deixa de prestar informações explicitas sobre o conjunto de regras e, ainda, uma das poucas normas de conduta claramente ensinadas ao neófito é que ele não deve fazer perguntas.

Um dos aspectos importantes da transgressão é permitir o esclarecimento das normas, pois, "o sentido preciso de uma regra raramente é obvio a partir apenas de sua afirmação verbal"(p.26). No caso do terreiro, onde o conhecimento, por iniciático, é antes vivenciado do que verbalizado, é provável que ocorra mecanismo semelhante. aprendem-se os limites, verificando empiricamente se foram ou não ultrapassados. Poder-se-ia logo identificar, no sutil incentivo à transgressão, como que uma finalidade pedagógica. O neófito, quando menos espera, vê desabar sobre si a ira dos sacerdotes. É provável que jamais esquecerá a lição.

Proibição, transgressão, sanção e castigo definem-se reciprocamente, desenhando em filigrana o arcabouço das rígidas leis que organizam o campo do sagrado. Nessa perspectiva, o tabu é definido como aquilo que não pode ser transgredido, e, no discurso do terreiro, a quizila expressa a mesma rigidez: "proibição ritual, determinada pelo orixá, no seu culto, impondo interdições, temporárias ou definitivas, a seus filhos" (Cacciatore, 1977, p.232). Na pratica diária, no entanto, o comportamento dos fieis parece ecoar a aparente boutade de Mauss: "os tabus são feitos para serem violados"(Metraux, 1963, p.683).

Opondo-se ao discurso da lei e do senso comum, que vêem no tabu o preço que se paga para lidar com o sagrado, Mauss opera instigante inversão. Não seria a transgressão a própria fonte do sagrado?

"A transgressão organizada forma, com a proibição, um conjunto que define a vida social. A freqüência das transgressões, que ocorrem com regularidade, não invalida a firmeza intangível da proibição, da qual sempre constitui o esperado complemento - do mesmo modo que o movimento da diástole completa a sístole (...). Proibição e transgressão correspondem a esses movimentos contraditórios a proibição rejeita, mas o fascínio leva à transgressão..." (Bataille, 1957, p. 73).

Proibições delimitam. Transgressões rompem as barreiras, instaurando o perigoso reino das margens, mas os poderes da ambigüidade são tais, que é precisamente a transgressão que vai afirmar a imprescindibilidade dos limites. Deste modo, não se pode considerar a transgressão como algo acidental ou contingente. A relação proibição/transgressão constitui articulação necessária à definição dos limites e à dinamização do sistema.

Os autores que estudam cultos africanos tradicionais na antiga Costa dos Escravos, e particularmente entre os grupos que deram origem ao candomblé brasileiro, assinalaram a presença constante de preceitos e proibições sem, no entanto, dedicar-lhes espaço especifico.

Assim é que Verger, em suas monumentais Notes sur le culte des orisa et vodun (1957), informa quais são os interditos de algumas poucas entre as divindades cultuadas na Nigéria, Benim e Togo. Em compensação, descreve pormenorizadamente o comportamento ritual dos sacerdotes frente à violação de uma proibição, no antigo Daomé.Expressando todos os sinais de intensa raiva, o sacerdote sai correndo pelas ruas gritando "oma, oma", para exigir reparação. A queixa é julgada por um conselho que resolve se vai aceitá-la, ou não. Se for aceita, os adeptos do vodum ofendido participam do ritual de oma durante nove dias seguintes. Consiste em adotar comportamento aberrante. Vestindo-se de modo extravagante, usando cabaças rachadas ou panelas quebradas à guisa de chapéu, e colares feitos com frutas podres e velhos carretéis, armados de porretes, os participantes do oma cantam e insultam o culpado. Este deverá expressar arrependimento e pagar multa para reparar seu erro. Acrescenta Verger que, "depois de o oma acabar, ninguém deverá aludir aos cantos nem aos insultos que foram proferidos, sob pena de cometer, por sua vez, transgressão passível de oma"(1957, p.567).

Herskovits (1938), em seu exaustivo retrato do antigo Daomé, hoje Benim, assinala a força dos tabus em todos os instantes da vida do daomeano.

"Estritamente falando, os tabus são chamados sú dúdú ('coisa proibida de comer'), enquanto as coisas que se devem fazer são chamadas de nowaídô"(1938, p.160), o que parece corresponder aquilo que, nos terreiros, se chama de "preceitos". Prossegue Herskovits: "(os tabus), como a própria filiação ao sib, são herdados do pai e devem ser observados por toda a vida. Se alguém cometer violação de seus tabus alimentares, voluntariamente ou não, e ficar calado a esse respeito, sofrerá erupção na pele, chamada salawà, dentro de dez a quinze dias"(id.ib..). Somente com um banho de folhas permitirá remove-la. De tal modo que, ao se convidar as pessoas para o almoço, é aconselhável perguntar as proibições alimentares de cada uma.

Herskovits é um dos poucos autores que descrevem conjuntamente proibição, transgressão, castigo e reparação. A imagem que nos transmite da cultura daomeana tradicional sugere um mundo rigidamente ordenado, cheio de proibições e de castigos definitivos. Por exemplo, a atividade dos caçadores é rodeada de mil preceitos e interdições. Quando o marido vai caçar, é vedado à mulher dele comer carne, senão, ela o expõe a ser atacado pelos bichos selvagens.

A agricultura, não menos relevante, é igualmente cercada de poder e perigos. Não se deve trabalhar no campo, no primeiro dia da semana, sob pena de ofender os deuses do "panteão das tormentas", que matam o culpado com raio. Os deuses da terra são ainda mais terríveis, Sakpatá, o maior dentre eles, manda como castigo todas as doenças de pele, incluindo lepra, varíola, e se tornou tão ameaçador que, conforme Verger (1957, p. 246), seu culto foi banido de toda a Nigéria, onde outrora o reverenciavam, sob o nome de Xapanã. Aos zeladores de Sakpatá é proibido comer várias caças e, particularmente, comer juntos certos cereais, que são o milho, o sorgo, o milhete, e tudo quanto é tipo de feijão, porque, dizem, "quem comer esses cereais juntos, come a terra"(Herskovits, 1938, vol.2, p.141). Esse aspecto de não comer o próprio material de o que deus é feito aparece freqüentemente nos temas míticos da Costa dos Escravos.

Os sacerdotes do "povo das águas"e, particularmente, de Agassú, antepassado mítico da família real do Daomé, não podem comer tartaruga, crustáceos, nem moluscos, por pertencerem ao mesmo elemento. Desenha-se, cada vez com maior nitidez, a proibição daquilo que poderíamos chamar de autofagia simbólica. Os filhos dos deuses, e seus zeladores, não podem comer daquilo que significa sua própria substancia, que é o fundamento de sua identidade mítica.

Os filhos de Keviosso não podem usar vermelho, porque deuses do "panteão das tormentas" são particularmente apegados ao vermelho". Do mesmo modo, gente de Sa Meji não pode lidar com bruxarias, por ser este o "signo" das feiticeiras.

A informação sobre as quizilas de cada um não funciona apenas como aviso profilático, no sentido de evitar a transgressão. Conhecer quais são as interdições de cada pessoa é meio de saber como lidar com ela. Facilita a observação das regras de cortesia e de precedência, mas pode também ser usado como arma.

A descrição dos rituais pelos africanistas leva a inserir outros componentes no binômio proibição/transgressão. O castigo certamente aparece, e visa a sancionar o desrespeito da lei. Entretanto que se introduza um terceiro momento, igualmente imprescindível na dinâmica do conjunto, a reparação. A oferenda contribui para a distribuição da força sagrada, e estabelece novos fluxos de comunicação. À medida que a transgressão implica reparação e esta, oferenda, os aspectos negativos, o castigo, a morte, somente aparecem quando ocorre uma parada no processo.

Vejamos a historia de Akinsa Emere, do odu Obará, que, em vez de entregar a oferenda aos deuses, resolveu parar o sistema de trocas, e simplesmente, comeu por conta própria a oferenda que deveria fazer. Engasgou e morreu.

"Akinsa emere nunca mais comeu.
Exu ficou dançando, se regozijando". (Bascom, 1980 p. 573).

À medida que a oferenda é classicamente considerada como representando simbolicamente o próprio ofertante, este é um caso extremado de autofagia. Não há sequer possibilidade de reparação.

No que diz respeito à vida cotidiana, mitos clássicos dos iorubás afirmam a importância de conhecer-se, para saber como comportar-se corretamente neste mundo. Tal conhecimento só pode ser alcançado mediante a consulta do oráculo, que dirá "de que material é feita a cabeça" de cada pessoa. Um texto oracular recolhido da boca de um sacerdote nigeriano por Juana Elbein dos Santos e Deoscóredes M. dos Santos (1971) explica que cada pessoa, antes de nascer, tem sua cabeça (orí) miticamente moldada no além (òrum), a partir de determinada matéria prima-ancestral (Ipòrí), cuja identificação, pelo oráculo, permitirá esclarecer qual é sua natureza verdadeira. Não somente a pessoa saberá que tipo de oferenda deve fazer para agradar os deuses, mas será também informada a respeito de "todas as coisas que lhe são prescritas como interdições (èèwò) proibidas de comer por causa da maneira como o orí foi moldado. (Santos e Santos, 1971, p.52). "Ifá dirá qual a divindade que deves servir, que coisa te é proibida e não deves comer. Pois não deves comer do mesmo corpo a partir do qual foi construída tua cabeça" (Herskovits 1938, id. ib. p. 53, grifo do autor). O esclarecimento das proibições rituais torna-se sinônimo da auto-identificação.

(Culto aos Orixás - Voduns e Ancestrais nas Religiões Afro-brasileiras, 2004, p.157/171)

Fonte: http://www.alaketu.com.br/

sexta-feira, 11 de junho de 2010

100 anos do Ilê Axé Opô Afonjá traz história, beleza e cultura negra para Assembléia Legislativa


Em meio a tambores, tecidos brancos de Oxalá, orações e canções em yorubá, a sessão especial comemorativa dos 100 anos do Ilê Axé Opô Afonjá reuniu parlamentares, representantes da sociedade civil, de terreiros e do Estado. O evento ocorrido na manhã desta sexta-feira (11) transformou o plenário da Assembléia Legislativa em um grande encontro em homenagem às raízes africanas através do Candomblé e às iyalorixás (mães-de-santo) que a frente desse templo religioso fizeram história na Bahia.

O deputado estadual Bira Corôa destacou que este momento de reconhecimento e homenagem consagra e abrilhanta a caminhada dos ancestrais africanos pela preservação histórico-cultural. Bira ainda pontuou em sua fala o marco histórico conseguido com a luta de Mãe Aninha, a fundadora do Opô Afonjá, que conquistou a liberação legal do culto aos orixás, depois de uma audiência no Rio de Janeiro, em 1937 com o presidente Getúlio Vargas. “Agradeço pela resistência e existência do Ilê Axé Opô Afonjá, pois a nossa essência não está na epiderme, está sim na razão de ser negro”, concluiu o deputado.

Os deputados federais Zézeu Ribeiro (PT-BA) e Lídice da Mata (PSB-BA) reconhecendo o encanto de Mãe Stella de Oxóssi, lembraram a importância do Templo Religioso e a força da mulher na história do país. “Hoje estamos comemorando os 100 anos do Ilê Axé Opô Afonjá, que é uma referência nacional reconhecida pelo seu trabalho”, afirmou Zézeu. Lídice agradeceu o deputado Bira Corôa pelas introduções da cultura e religiosidade de matriz africana que o parlamentar tem realizado na Assembléia Legislativa.

O diretor do Irdeb Pola Ribeiro informou que o Candomblé de São Gonçalo (o Opô Afonjá) reúne ternura, força e acolhimento dentre tantas outras qualidades que possui. “Quanto mais aprendo, mais ignorante me sinto com a complexidade de conhecimento do Opô Afonjá”, disse Pola.

Segundo a juíza Luislinda Valois a homenagem a Mãe número 1 da Bahia veio tarde, mas felizmente foi lembrada e parabenizou o deputado Bira Corôa, pela sessão e por defender a promoção da igualdade.

Valois versou sobre a dificuldade de ser negro no Brasil, mas ressaltou que estamos vivendo um momento de mudanças. “É tempo da África, do Brasil, da Bahia, é tempo do empoderamento do negro”, concluiu a juíza.

Edvaldo Brito, vice-prefeito de Salvador, apresentou um cântico em Yorubá e concluiu sua fala afirmando o quanto era bom estarem todos juntos em um grande abraço.

O adido Cultural da Nigéria fez uma oração também em Yorubá complementando em sua fala que o Ilê Axé Opô Afonjá se tornara para o candomblé da Bahia um pilar de humanidade, de amor e de compaixão.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Mãe Carmem é homenageada pela Unesco


A ialorixá do Gantois, Mãe Carmem recebeu, no último 30, a Medalha dos Cinco Continentes, outorgada pela Unesco. A condecoração foi levada até o Gantois pelo presidente do Conselho Executivo da Unesco e delegado permanente do Benin na instituição, embaixaor Olabiyi Babalola Joseph Yai. A condecoração é dada a instituições que promovem diálogo intercultural, respeitam outros credos e não fazem proselitismo.

Mãe Carmem recebeu também a faixa da Sociedade Secreta Geledé e a Maié Oxum do Gantois, Márcia de Souza, foi condecorada com a Medalha Toussaint Louverture. A comenda que faz uma homenagem ao líder da libertação do Haiti é oferecida a pessoas que desempenham atividades de conscientização e promoção das culturas africanas.

Mãe Carmem está comemorando oito anos no comando do Gantois.
Fonte: Mundo Afro

terça-feira, 8 de junho de 2010

Festa de Yansã (interno)


Festa de Yansã (interno)

O Terreiro Ilê Axé Oxumarê Realiza dia 9 de junho de 2010

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Mulheres Negras do Odum Adotá comemoram 50 anos na Câmara Municipal de Salvador




Cinqüenta anos de luta e resistência de mulheres negras em defesa do axé, foi o tema do evento que marcou os 50 anos de existência religiosa do Odum Adotá. Promovido pela Associação Cultural e Religiosa São Salvador - Ilê Axé Oxumarê, a cerimônia de comemoração ocorreu em sessão especial, na câmara municipal de Salvador, na última semana de maio.

Estiveram presentes no evento o assessor especial da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR) o ogã do Ilê Axé Oxumaré; Marcos Rezende coordenador do Coletivo de Entidades Negras (CEN); o presidente da Fundação Palmares Zulu Araújo; a juíza Luislinda Valois; Almiro Sena promotor do Ministério Público; Ailton Ferreira Secretário Municipal da Reparação que representou o prefeito João Henrique e o deputado federal Emiliano José (PT), dentre diversas representações da sociedade civil e do governo.

A Orquestra Afro sinfônica regida pelo maestro Ubiratan Marques apresentou-se no coquetel de encerramento do evento. O presidente da Comissão Especial de Promoção da Igualdade e deputado estadual Bira Corôa afirmou que os cinqüenta anos de história do Odum Adotá, representam à valorização do povo negro na luta dessas mulheres que defendem a tradição de seus ancestrais na religião de matriz africana. “As homenagens às mães do Odum Adota reverenciam os 50 anos de existência de sua história e cultura, mas representam também as lutas de resistência de toda a população negra da Bahia” conclui Bira Corôa

Fonte: Bira Corôa