domingo, 11 de julho de 2010

Luta do bem




Entrevista com Diogo Silva que, em 2007, se tornou um dos atletas brasileiros mais famosos no país, por ter conquistado a primeira medalha de ouro dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro.

Diogo Silva tem 25 anos e, desde os sete, pratica Tae Kwon Do, uma arte marcial coreana. Em 2007, se tornou um dos atletas brasileiros mais famosos no país, por ter conquistado a primeira medalha de ouro dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. Nesta entrevista, Diogo mostra que não é só o esporte que faz parte da sua vida, mas também os estudos e a luta pela inclusão social no Brasil.

Como o Tae Kwon Do entrou na sua vida?
Diogo Silva: Foi por acaso. Na época, eu tinha sete anos e disse à minha mãe que queria fazer um esporte em que pudesse dar chutes, porque eu sempre gostei de filmes com luta. Um dia minha mãe me levou a um clube e estava acontecendo uma aula demonstrativa, eu fiquei alucinado e comecei a freqüentar as aulas logo no dia seguinte.

O desenvolvimento do atleta nesse esporte acontece de que maneira?
Diogo: No Tae Kwon Do existem dez faixas, da branca à preta, e depois dez dans, que são graus de dificuldade. Chegando ao quarto dan, a pessoa se torna mestre. Do quarto ao sexto, chega a grão mestre e do sexto ao nono, que é o último, a posição que se alcança é a de superior. O Tae Kwon Do é dividido em duas partes: a filosófica e a esportiva. Eu tive muito conhecimento da parte filosófica, até pelo fato de eu ter dado aulas, mas sempre me atraí mais pela parte competitiva, que é indispensável para quando se quer se tornar um atleta olímpico.

Você se interessa pela cultura coreana?
Diogo: Atualmente eu tento adaptar a ideologia coreana à cultura brasileira, deixando o esporte com menos hierarquia, porque, nele, é sempre o superior quem manda e não precisa ser desse jeito. Eu já morei na Coréia do Sul durante três meses. O Tae Kwon Do tem uma cultura militar muito forte, por ter sido desenvolvido dentro do exército. Para eles, sentir dor quando se pratica esporte é bom, por isso, se você não se sair bem, você apanha do treinador. Já na cultura brasileira, se você der um tapa em alguém, a pessoa te dá dois. Lá não: a pessoa abaixa a cabeça e agradece.

Você já levou um tapa lá na Coréia?
Diogo: Não, mas já vi muita gente tomando.

O Tae Kwon Do possibilitou que você seguisse um caminho diferente dos seus amigos?
Diogo: Os bairros Padre Manoel da Nóbrega e Jardim Roseira, onde fui criado, em Campinas, tinham um forte tráfico de drogas e muitos amigos meus se envolveram com isso na época. Eu tinha muito medo de ficar na rua e ser confundido com alguém ou estar andando com algum amigo que estivesse metido em coisa errada, daí eu comecei a passar mais tempo dentro da academia. Com quinze anos, eu já era faixa preta e, com 16, eu comecei a dar aulas. Eu nunca fui o melhor da turma, mas fui o mais chato, todo mundo desistia e eu sempre estava lá, persistindo.

Na mídia, a sua imagem foi a do garoto pobre que se deu bem na vida. O que você acha disso?
Diogo: A mídia precisa de notícia e para eles não tem coisa melhor do que um atleta ou um músico que venceu barreiras e alcançou seu objetivo. Isso dá ibope nas emissoras populares.


Você acha que o esporte salva vidas?
Diogo: Eu acho que o esporte, a cultura e a arte salvam vidas. Quando você estuda e tem reconhecimento, pode conseguir ser o melhor do mundo, mas é preciso ter um retorno financeiro porque se o esporte não for remunerado, não dá pra sobreviver. O esporte tem que ser integrado à educação.

Como você era na escola?
Diogo: Uma negação. Mas, por experiência própria, eu considero importante irmos a uma biblioteca e não pensar no esporte apenas, como eu costumava fazer. Eu era preguiçoso. Não tinha ninguém que me forçava a estudar em casa porque minha mãe trabalhava o dia todo. Eu preferia ir para rua a estudar.

Você tinha uma disciplina preferida?
Diogo: Educação física é claro. Mas eu gostava de História também.

As pessoas estranham o fato de você ser negro e lutador de Tae Kwon Do?
Diogo: Aqui no Brasil, não, mas lá fora, estranham. E pessoas com as minhas características são ainda mais difíceis de serem encontradas. Porque, por exemplo, meu ex-treinador sempre falou que atleta tem que ter cabelo curto, tem que ser careca. Eu fugi totalmente dos padrões, tomei muita bronca por isso, mas depois as pessoas se acostumaram com o meu jeito de ser e viram que isso não atrapalha minha desenvoltura no esporte.

Por que você adotou esse visual?
Diogo: Eu nunca quis ter dreads, na verdade. Eu tive tranças rastafari durante quatro anos, mas, quando fui morar sozinho, não tinha mais ninguém pra fazer minhas tranças – porque era minha mãe quem fazia as minhas. Quando concedia uma entrevista, meu cabelo estava sempre bagunçado, então decidi fazer os dreads porque facilita a vida.

Você se considera um representante da cultura negra?
Diogo: Eu recebo muitos e-mails em que as pessoas falam: “por causa de você, o meu patrão parou de reclamar do meu cabelo”. Eu tenho uma ligação muito forte com a cultura negra, porque não é comum ver pessoas vencendo da forma que eu venci e o mais importante: falando o que precisa ser falado. É comum vermos atletas negros que têm sucesso, mas, quando falam, só pensam em si mesmos. O povo negro precisa de um ícone, de alguém que demonstre que nós somos bonitos, que não estamos aqui pra fazer trabalho escravo e que a gente quer aquilo que realmente merecemos. Onde quer que eu vá, eu sempre discuto sobre cotas, racismo, hoje eu sou um porta-voz do povo negro, eu tenho essa chance.

Você já passou por situações de preconceito racial?
Diogo: Muitas. Principalmente, quando estou na Europa. Desde um restaurante que não quer te servir, até um dono de hotel que não te aceita no local. Em nenhuma dessas situações eu me rebaixei ao preconceito porque sabemos que ele existe e temos que combatê-lo de maneira consciente, e não agressiva. Já tomei enquadro da polícia inúmeras vezes e não houve nenhuma vez que eu tenha rebaixado minha postura. Lá na Europa, as pessoas falam na sua cara que são racistas, aqui no Brasil não: o preconceito acontece nos detalhes. É o jeito que a vendedora de uma loja te olha, o segurança do shopping que te segue. Isso sem falar na loja de grife em que a vendedora sempre pergunta: “você vai pagar em quantas vezes?”, aí eu digo que será à vista e ela fica surpresa, sabe? Hoje, o preconceito social é maior do que o preconceito racial.


Ou será que os tipos de preconceito se confundem?
Diogo: É, pode ser. No meu caso, eu vivo em dois mundos: o elitizado e o suburbano. Eu conheço as mentalidades das pessoas dos dois lados e vejo que o preconceito social é muito grande. O pessoal da elite diz que não vai em tal lugar porque tem muito mano, daí eu pergunto: “mas o que é mano?”. Eu sou mano, eu falo gíria, gosto de rap... Mano pra eles é quem não tem dinheiro, então, pra não falar que não vão em lugar onde tem pobre, eles falam “mano”.

O que o esporte tem para ensinar às crianças e aos adolescentes?
Diogo: O esporte ensina tudo, praticamente. Ele desenvolve a socialização, trabalha a coordenação da criança. O esporte engloba até a parte psicológica, esse lance de superação.

A pessoa negra tem uma responsabilidade maior perante a necessidade de mudanças na sociedade?
Diogo: Não, eu acho que a responsabilidade é de todos, independentemente de ser negro ou não, porque somos todos brasileiros. Eu vejo muitos atletas brancos lutando pelo direito dos negros, ironicamente. Essa é a grande dificuldade porque o negro, quando sobe na vida, na maioria das vezes, perde as suas raízes, ele tem vergonha daquilo que já foi. Eu tento mostrar para as pessoas que, hoje, eu sou popular, mas sempre estarei lutando pela causa dos pobres, dos negros, do povo brasileiro.

Fonte: AfroeducAÇÃO
Publicado em 10 de março de 2009